Título: Supremo revê uso do CDC em bancos
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2006, Finanças, p. C1

Os ministros do Supremo Tribunal Federal estão rediscutindo a decisão que garantiu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos bancos. O STF vai julgar um recurso dos bancos e pode alterar a decisão para proibir juízes de 1ª instância de decidir questões ligadas à fixação de taxas de juros nos contratos dos bancos com empresas e pessoas físicas.

O recurso (chamado "embargos de declaração") é usado apenas para esclarecer alguns pontos de decisões do STF. Os bancos o estão utilizando para que os ministros esclareçam que não cabe aos juízes de 1ª instância decidir sobre aplicação de juros.

A questão parecia encerrada desde 7 de junho, quando, por 9 votos a 2, o STF decidiu pela aplicação do Código ao Sistema Financeiro. Foi, na época, uma vitória das entidades de defesa do consumidor.

Apesar de derrotados no julgamento, os bancos conseguiram uma sinalização positiva: vários ministros afirmaram que o CDC não pode ser usado para contestar a política monetária, em particular, na fixação da taxa básica de juros, a Selic. Com base nessas afirmações, os bancos entraram com recurso para que os ministros explicitem como se dará essa proibição e pediram especificamente para que o Supremo impeça juízes de alterar as taxas de juros em contratos com correntistas.

O ministro Eros Grau é favorável a rever a decisão nesse ponto. Ele teme que um juiz mande aplicar um taxa e outro decida por outra. Para ele, isso causaria insegurança jurídica no mercado financeiro. Eros disse que, como está, a decisão do STF pode levar a um "verdadeiro caos". Um juiz da Lapa, exemplificou, pode interferir na política macroeconômica.

O ministro alegou que os processos judiciais em que se pede a alteração da taxa de juros dizem respeito a relações contratuais entre bancos e clientes, e não à aplicação do CDC. Nesses processos, vigora o Código Civil, não o CDC enfatizou.

A idéia de rever um dos casos mais importantes da história do STF provocou polêmica na Corte, na quarta-feira. O caso estava fora da pauta oficial do STF, divulgada na internet, e deixou alguns ministros exaltados.

O ministro Cezar Peluso disse que votou a favor do Conselho Monetário Nacional na definição da taxa de juros, "mas isso não significa que o Poder Judiciário não possa examinar caso a caso". Para Peluso, os juízes podem, sim, alterar a taxa em cada processo, individualmente.

"Isso seria o caos", rebateu Eros Grau. "A Corte decidiu que a fixação da taxa de juros é matéria a ser decidida pela perspectiva macroeconômica e não pode ser atribuída ao Poder Judiciário", reclamou o ministro.

"Mas eu entendo que cabe ao Poder Judiciário fiscalizar (a aplicação da taxa de juros)", completou o ministro Celso de Mello.

Eros disse aos colegas que um dos objetivos de rediscutir o caso é garantir a proteção às pequenas e médias empresas. Segundo os bancos, se qualquer juiz puder alterar a taxa de juros, eles só irão emprestar dinheiro aos clientes em que confiam. Na forma atual, pequenas e médias empresas teriam maiores dificuldades par a obter crédito. "Não merece proteção apenas a defesa do consumidor mas, a pequena e média empresa", enfatizou Eros. "Se não, vamos reduzir a proteção judicial."

"Mas, essa parte não é compatível com o que foi decidido pela Corte", retrucou o ministro Marco Aurélio Mello. "O Poder Judiciário não pode definir a taxa de juros mas, analisa caso a caso", completou.

Segundo o ministro Carlos Ayres Britto, as relações entre o Banco Central e as instituições financeiras está no campo macroeconômico. Já a relação dos bancos com os seus clientes é microeconômica e pode ser regida pelo CDC. "Mas eu não posso entender como microeconômico a definição de taxas de juros", protestou Eros. "Se a Corte está entendendo que essa definição pode ser feita pelo Judiciário, então, temos que rever."

A decisão que resultou na aplicação do CDC aos bancos foi tomada após quatro anos de intensos debates no STF. Contou, inclusive, com votos de ministros aposentados, como Nelson Jobim e Carlos Velloso.

Após a intensa discussão na quarta-feira, o caso foi retirado da pauta por um pedido do ministro Peluso. Ele alegou que os ministros Sepúlveda Pertence e Cármen Lúcia Rocha estavam ausentes e deveriam participar dos debates. Não há prazo para o STF retomar o julgamento.