Título: Acordo UE-Mercosul terá prioridade
Autor: Tachinardi, Maria Helena
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2006, Caderno Especial, p. F2
Apesar de o governo Lula considerar um sucesso a sua política comercial, o setor privado está convencido de que as negociações não produziram resultados. Na visão de empresários e especialistas em comércio internacional, os recordes nas exportações não se devem aos acordos fechados, mas principalmente à ampliação da demanda mundial, câmbio desvalorizado até o ano passado, baixo crescimento da economia brasileira e investimentos domésticos em produtividade.
Os acordos do Mercosul com a Índia e a África do Sul são considerados tímidos. Com os andinos, a queixa é que as negociações colocam o Brasil em situação de desequilíbrio comercial, uma vez que o país concedeu mais preferências do que recebeu. A Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), que foi a prioridade nos últimos quatro anos, está travada e provavelmente seja concluída somente no final da década.
Nos próximos quatro anos, não se esperam muitas mudanças na política comercial. Porém, a expectativa é que o governo Lula conduza as negociações com menos ideologia e mais pragmatismo. A economista Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e coordenadora da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), acredita que o acordo UE-Mercosul terá prioridade. O governo também tentará aprofundar tratados comerciais com países mais relevantes, como México, África do Sul e Índia. Com o México já há propostas em andamento.
"A incógnita é o que fazer em relação aos EUA. O governo já apresentou proposta dentro do formato 4+1 (Mercosul-EUA). O problema está restrito ao acesso a mercados", explica. A negociação de acesso a mercados envolve redução de barreiras tarifárias e sanitárias e cotas, entre outras restrições. Mas os EUA não facilitarão o acesso sem exigir, em contrapartida, abertura em serviços, investimentos e compromissos em propriedade intelectual por parte do Mercosul, temas que encontram resistência no bloco. "Enquanto não superarem diferenças de abordagem, acho difícil um acordo. Mas vai haver algum movimento, uma tentativa. Há reconhecimento de que é preciso um gesto com os EUA", diz Sandra Rios. Ela questiona em que contexto será feita essa aproximação: "Não sei se será na esfera da promoção comercial".
O embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), prevê uma expansão da promoção comercial nos países desenvolvidos. No primeiro governo Lula, foram os países em desenvolvimento os alvos dessas ações.
Para ele, "continuará a retórica de ampliação das relações comerciais Sul-Sul. Pode-se prever a continuação dos entendimentos com parceiros comerciais pouco relevantes (Grupo do Golfo, Paquistão, Cuba) e com parceiros importantes, como a Índia e a África do Sul, pouco propensos, contudo, a aprofundar acordos de livre comércio significativos com o Brasil". Barbosa não acredita em acordos amplos com os EUA ou com a União Européia. "Acho difícil que os dois lados cheguem a um acordo equilibrado e satisfatório. Talvez haja alguma abertura em relação aos EUA, caso a fórmula de Miami, em 2003 (Alca "light"), seja resgatada. Creio que pode ser uma alternativa para restabelecer as tratativas hemisféricas", diz.
Segundo Barbosa, "o setor privado vai pressionar para a definição de uma nova estratégia de negociação comercial, menos dependente do terceiro mundo e mais aberta para os países desenvolvidos. Um documento nesse sentido foi aprovado pelo Conselho de Comércio Exterior da Fiesp.
O governo Lula não abrirá mão de negociar em conjunto com o Mercosul, o que é um problema, porque o ingresso da Venezuela no bloco dificultará um acordo com os norte-americanos. Nas negociações com os europeus, a Venezuela também é um complicador. "A estrutura produtiva da Venezuela é diferente da do Mercosul. A Venezuela é demandante de proteção em agricultura", nota Sandra Rios, ao contrário de Brasil, Argentina e Uruguai, que são competitivos em produtos agrícolas e exigem maior abertura da UE.
O que fazer com o Mercosul? A resposta a essa pergunta é das mais difíceis. O bloco está em crise: é uma união aduaneira imperfeita e está longe de atingir o estágio de mercado comum. O Uruguai e o Paraguai estão insatisfeitos e ensaiam fazer acordos com os EUA isoladamente. Os vizinhos andinos, com quem o Mercosul formou a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), em dezembro de 2004, estão divididos. "Hoje a CAN (Comunidade Andina) agrupa países que têm interesse nos EUA. O Chile e o México entraram como membros associados", diz Sandra Rios.
"É difícil prognosticar o que acontecerá com o Mercosul", diz o embaixador Sergio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. "Hoje assistimos à recolocação de barreiras a mais de duas dezenas de produtos brasileiros. Sem mencionar a criação de um mecanismo de salvaguardas, que o Brasil sempre havia rejeitado". O governo Lula ainda não deu sinais do que fará com o Mercosul e se pretende aprofundar os acordos comerciais com os andinos.
O presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), Marcos Jank, ressalta que "estamos condenados a negociar nas Américas" e que a prioridade da política comercial deveria ser o continente americano.
Estudo do Icone sobre a dinâmica das exportações brasileiras, que analisou sete categorias de produtos, revela que o Brasil é um "player" global apenas em commodities, que crescem em todas as direções, mas, nos produtos diferenciados, o país é um "player" regional. No ano passado, o Brasil registrou superávit comercial de mais de US$ 25 bilhões com países das Américas, mostra a pesquisa. Todas as categorias de produtos cresceram, mas principalmente os diferenciados, com destaque para automóveis, máquinas e aeronaves.
Para Barbosa, os resultados comerciais positivos na América Latina farão aumentar a visibilidade desse mercado para o setor produtivo e exportador brasileiro. O Brasil exportou cerca de US$ 25 bilhões para os países latino-americanos em 2005, em comparação a US$ 26,5 bilhões para a UE. A diferença é que, enquanto os europeus compram basicamente produtos primários, os vizinhos do Brasil importam bens industriais. Índia e China são outros mercados que deverão merecer atenção especial dos exportadores brasileiros.