Título: Brasil dará isenção de tarifas às 50 nações mais pobres do mundo
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2006, Brasil, p. A6

O governo brasileiro planeja isentar de imposto de importação os produtos dos 50 países mais pobres do mundo a partir dos primeiros meses de 2007. É uma iniciativa de ajuda humanitária, mas a expectativa do Brasil é criar também um clima positivo para a retomada das negociações da Organização Mundial de Comércio (OMC). Em fase final de discussão com o setor privado, o assunto preocupa os empresários, que temem que esses países se transformem em plataformas de montagem de produtos chineses, que entrariam no país com tarifa zero.

O Brasil deve se tornar a primeira nação em desenvolvimento a conceder esse tipo de benefício, que funcionará de maneira semelhante ao Sistema Geral de Preferências (SGP) dos Estados Unidos e da União Européia. Será uma concessão unilateral do Brasil para os países de menor desenvolvimento relativo, que pode ser retirada a qualquer momento. O Itamaraty rejeita o rótulo de "SGP brasileiro", porque considera os sistemas americano e europeu restritivos e pouco eficazes para promover o comércio e o desenvolvimento.

"Esses países podem se transformar em plataforma de montagem de produtos chineses", avalia Humberto Barbato, diretor do departamento de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). "É preciso que o governo aceite um sistema de regras que nos proteja", completa Mário Branco, gerente de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). O assunto preocupa, principalmente, as indústrias dos setores têxtil, eletroeletrônico, químico e de máquinas e equipamentos.

Na avaliação de uma fonte do Itamaraty, "esse temor é mais imaginário do que real". Os 50 países que serão beneficiados pelo sistema exportaram juntos cerca de US$ 500 milhões para o Brasil de janeiro a outubro deste ano, o que é insignificante comparado aos US$ 75 bilhões importados pelo país no período. Além disso, as vendas desses países estão altamente concentradas em combustíveis. Só as exportações de Angola para o Brasil, que são basicamente petróleo, responderam por US$ 340 milhões.

Dos 50 países da lista da ONU, 34 estão na África, nove na Ásia e apenas um na América - o Haiti. Um quinto desses países não venderam nada para o Brasil este ano. E apenas sete conseguiram exportar mais de US$ 1 milhão. Esses países não contam com uma infra-estrutura que comporte unidades industriais de grande porte. O transporte de produtos para o Brasil também é bastante complicado. Devido à escassez de navios, o alto custo do frete encarece o produto.

O objetivo do Brasil é abrir pelo menos 90% do mercado para as importações dos países pobres, o que reduz a margem de manobra do setor privado para excluir seus produtos da negociação. Depois de seis reuniões entre o governo e o setor privado, os empresários estão pedindo a inclusão de 1,3 mil itens tarifários como sensíveis, enquanto o governo aceita no máximo 900.

Outro ponto polêmico é a regra de origem, que estabelece a nacionalidade do produto. O Itamaraty quer utilizar regras "simples e transparentes", que facilitem o acesso ao mercado. Por isso, o governo está sugerindo que os países pobres sejam obrigados a agregar 40% do valor do produto, seja em insumos, mão-de-obra ou partes e peças. Os empresários pedem que esse percentual suba para 50% e, em alguns casos, querem um regime de regra de origem mais rígido.

O governo admite que o único setor que realmente pode enfrentar problemas com essa abertura de mercado é o têxtil. Entre os países de menor desenvolvimento relativo está Bangladesh, que possui 80% de suas exportações concentradas nesse setor. Além disso, o investimento para a construção de uma fábrica de confecção é relativamente baixo, o que facilita o surgimento rápido dessa indústria.

"Bangladesh é um grande exportador de produtos têxteis para os Estados Unidos e para a Europa, e com esse sistema terá acesso ao mercado brasileiro com tarifa zero", reclama o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. Os Estados Unidos importaram US$ 5,3 bilhões em produtos têxteis e de vestuário em 2005. Desse total, US$ 2,38 bilhões vieram de Bangladesh e 97% é vestuário, o elo da cadeia que mais emprega.

"O Brasil não está ganhando nada com isso. É cortesia com o chapéu alheio", completa o empresário. Ele também ressalta que a China está investindo muito na África, o que aumenta o risco de ocorrer apenas um "pseudo-beneficiamento" dos produtos nesses países. A Abit indicou ao governo uma lista de sensíveis que espera ver excluída do sistema. Outra demanda do setor é que o Brasil estabeleça uma regra de origem mais rígida.

Com o sistema em vigor em 2007, o governo brasileiro estará se antecipando em um ano ao compromisso assumido na reunião de Hong Kong em dezembro de 2004. Na ocasião, os países-membros da OMC concordaram em abrir seus mercados para as nações de menor desenvolvimento relativo até 2008. A medida é obrigatória para os países desenvolvidos e facultativa para os países em desenvolvimento, como o Brasil.

O acordo selado no âmbito da OMC beneficia os 32 países de menor desenvolvimento relativo que fazem parte da entidade, mas o governo brasileiro quer incluir no seu sistema os 50 países que estão na lista elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que avalia as vulnerabilidades econômica, social, política e institucional dessas nações.