Título: Governo armou bomba-relógio, alerta banqueiro
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2006, Internacional, p. A11

Até agora, o crescimento da economia da Venezuela esteve amparado nos altos preços do petróleo e na expansão dos gastos correntes, que superou 40% em 2006, em termos reais. Isso também possibilitou investimentos do governo em infra-estrutura, impulsionando a formação bruta de capital fixo, que levará o PIB a aumentar 8%, na estimativa do Ministério das Finanças.

Mas, com a queda do petróleo, Chávez agora avança com voracidade sobre as reservas internacionais. Elas estão em cerca de US$ 35 bilhões, e o presidente pediu ao Banco Central que libere US$ 6 bilhões para um fundo de desenvolvimento social gerido diretamente pelo Palácio de Miraflores.

Segundo Oscar García Mendoza, presidente do Banco Venezuelano de Crédito, uma instituição privada, a atitude aumenta de forma irresponsável a liqüidez da economia. Em junho de 2000, havia US$ 3,41 para cada mil bolívares em circulação; em junho deste ano, a relação caiu para apenas US$ 0,41. "A moeda nacional tem menos respaldo nas reservas", sublinha o banqueiro. "O governo está armando uma bomba-relógio que vai inevitavelmente explodir."

O professor Orlando Ochoa, da Universidade Católica Andrés Bello, lembra que, justamente por causa disso, a meta de inflação de 12% não será cumprida. Em outubro, ela estava oficialmente em 15,5%. Descontando-se os preços tabelados e os produtos subsidiados pelo governo, porém, chega a 25%. "É o índice mais alto da América Latina, com exceção do Haiti", compara Ochoa. Para ele, dificilmente o governo conseguirá evitar um ajuste no câmbio em 2007. A diferença entre a taxa oficial e a paralela está em 62%. "Não há dúvida de que a moeda vai se desvalorizar. A questão é quando. Quanto mais tarde for o ajuste, maior ele será."

O economista Ochoa e o banqueiro García ressaltam um ponto: até agora, a desvalorização foi evitada, em boa parte, pela arbitragem dos títulos da dívida argentina, os Bônus do Sul. Eles explicam, com a experiência do mercado financeiro, como o governo tem levantado recursos com essa negociação. O Tesouro compra os títulos argentinos por, digamos, 80% do valor de face. Em seguida, revende-os a 85% do valor de face, pelo câmbio oficial, a bancos selecionados de maneira totalmente arbitrária, despertando suspeitas quanto à lisura do processo.

Com isso, o governo embolsa a diferença. Calcula-se que já tenham sido levantados vários bilhões de dólares com esse tipo de operação. Os bancos não têm prejuízo. Logo após comprar os bônus, eles os revendem a corretoras americanas por um valor de face menor do que aquele pago pelo governo - digamos, 70% do preço original, com altas chances de ganhos futuros. Mas os banqueiros ganham muito mais porque, no momento de internalizar os dólares, fazem a operação pela taxa de câmbio paralela, muito mais alta, segundo Ochoa e García Mendoza. Todos saem ganhando: Buenos Aires, Caracas, os bancos venezuelanos e, inclusive, Wall Street, onde são negociados os papéis.

"Ninguém é contra investimentos em infra-estrutura, hospitais, escolas e trens", observa o economista. "Mas quando se tem uma política cambial e fiscal irresponsável, todos os 26 milhões de venezuelanos vão pagar no futuro."