Título: Decisão da Aneel expôs risco que já existia, diz consultor
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2006, Brasil, p. A6

A decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de retirar 2.888 megawatts médios (MWmed) de disponibilidade térmica do sistema elétrico nacional foi considerada pelo consultor Mário Veiga, da PSR Consultoria uma volta do realismo ao setor. Segundo o técnico, um dos maiores especialistas do setor de energia do país, a polêmica medida da Aneel apenas potencializou o fato de que, independente dos problemas de restrições no gás, os dados disponíveis já sinalizam para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em novembro um risco de déficit elevado.

Seus cálculos apontavam para um risco de 2,5% em 2007; que aumentaria para 5,6% em 2008; para 8,4% em 2009 e 13,3% em 2010, antes mesmo de serem conhecidas os problemas de oferta de gás que levaram à decisão da Aneel. Os resultados consideram um crescimento anual de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). "A retirada das térmicas da configuração expôs um problema que já existia. O sistema estava com febre e a Aneel pegava o termômetro e colocava na água gelada antes de medir a temperatura do sistema", compara Veiga.

Em outra projeção da PSR, foram retirados 2.600 MW médios gerados por termelétricas em 2007 e 2008, e mantida a estimativa de crescimento do PIB. Nesse caso, a situação ficou mais crítica, com o risco de racionamento aumentando para 9,8% em 2007 e 13,2% em 2008, voltando a ficar em patamares parecidos com a projeção anterior (que contava com térmicas) em 2009 e 2010.

Para Mário Veiga, os números mostram que se for possível trazer de volta as térmicas que tiveram reduzida sua geração no cálculo de energia disponível, o País só terá a ganhar. "A Petrobras anunciou que pode ter uma solução desde que possa fazer troca de energéticos com outros consumidores industriais. Logo, é bastante interessante para o país olhar a proposta da Petrobras, que pode funcionar como um Tylenol para baixar a febre do sistema. Essa alternativa é importante para a redução dos riscos em 2007 e 2008", afirma Veiga.

Em entrevista ao Valor, o diretor da área de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, explicou que a companhia quer acabar com prejuízos de US$ 400 milhões por ano verificados em seu parque térmico, que tem 4.000 MW instalados, dos quais cerca de 2.700 estão sem contrato. Segundo o diretor da Petrobras, metade desse valor se refere a custos de capital, operação e manutenção e de conexão das usinas à rede elétrica, sem contar contar o combustível. São, segundo Veiga, usinas que podem funcionar como um "Tylenol".

A PSR também calculou os riscos de déficit no caso de um crescimento menor do PIB até 2010, 3,5% ao ano. O resultado mostrou que mesmo não tendo gás para todas as térmicas, o risco seria menor do que no cenário anterior - com PIB de 4%. Com menos crescimento econômico, o risco de qualquer déficit de energia seria de 5,5% em 2007, de 8,9% em 2008, de 5,9% em 2009 e de 7,1% em 2010.

Mas e se o Brasil conseguir crescer 5% ao ano como quer o governo? Nesse caso, Mário Veiga diz que a situação ficaria mais apertada. "O grande dilema do Brasil é que se o país crescer 3,5% nem as restrições de gás natural atrapalham. Mas bastaria crescer 4%, menos do que quer o governo, que a situação ficaria mais complicada", diz o consultor, lembrando que o risco de déficit de energia é diretamente afetado pela demanda.

Ontem, o diretor-geral da Aneel Jerson Kelman deixou a reunião do Conselho de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) junto como o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau. Eles informaram que a resolução da Aneel poderá ser flexibilizada já que se constatou que haverá maior disponibilidade de gás em dezembro do que o nos meses de setembro e outubro. Por isso, o comitê determinou novos testes nas usinas para reavaliar a oferta do combustível.

O MME também divulgou portaria que ajuda a solucionar o problema causado pelo corte das exportações de energia da Argentina. A medida afetou a CIEN, da Endesa, com para compra de 2.000 MW que ficaram sem lastro. A portaria determina que essa energia seja comprada e reposta no próximo leilão de sobras, em dezembro, com repasse às distribuidoras.