Título: Com menos disputas, Brasil deve ter saldo de US$ 4 bi com Argentina
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2006, Brasil, p. A3

O Brasil deve terminar o ano com um aumento de quase 23% no comércio com a Argentina, com importações e exportações, somadas, equivalentes a US$ 20 bilhões, e um saldo, a favor dos exportadores brasileiros, em torno de US$ 4 bilhões, prevê o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho. Amanhã, Ramalho se reúne com autoridades argentinas, no Rio, para a última reunião da comissão bilateral de monitoramento de comércio, que deve ser a mais tranqüila já realizada pelos dois governos, em um ano iniciado com sérios conflitos comerciais entre Brasil e Argentina.

O governo brasileiro chegou a preparar estatísticas que mostravam a redução da participação das exportações de calçados, sujeitas a controle alfandegário, no mercado argentino. E incluiu na pauta da reunião uma queixa contra o "discriminatório" sistema de valoração aduaneira argentino para produtos têxteis - que fixa preços excessivamente altos como referência para tributação de mercadorias do Brasil e cria vantagens para os concorrentes asiáticos. Mas a boa vontade demonstrada por argentinos, com promessas de abertura no setor de calçados e um acordo recém-firmado para importação de denim (tecido de jeans) garantiram o clima de cordialidade do encontro.

"Vamos encerrar o ano felizes, porque, se não conseguimos resolver todos os problemas existentes, logramos contornar a maioria", comentou Ivan Ramalho, para o Valor. Os exportadores de denim obtiveram um acordo que lhes permitirá exportar 22 milhões de metros lineares no ano que vem ao país vizinho (neste ano, a cota informal de 18 milhões de metros lineares foi superada, e devem se vender 20,25 milhões). No caso dos calçados, os próprios exportadores falam em "melhoria considerável", após receber a garantia do secretário de Indústria argentino, Miguel Peirano, de que poderão vender à Argentina o equivalente a 75% do mercado para calçados importados.

"Estamos em uma fase de entendimento", confirma o presidente da Associação Brasileira de Fabricantes de Calçados, Heitor Klein. "Não é uma maravilha, mas é bem melhor que no ano passado". Segundo dados coletados pela Abicalçados com os dois governos, depois de chegar à sua participação mais baixa, com 66% do total importado pela Argentina, entre julho de 2004 a julho de 2006, as vendas ao país vizinho começaram a se recuperar, e representam cerca de 70% a 71% do total comprado pelos argentinos de fornecedores externos.

Convidados a participar da reunião da comissão de monitoramento, à tarde, com o secretário de Comércio da Argentina, Miguel Peirano, os representantes do setor de calçados chegaram a comunicar que não veriam problema em ter apenas um encontro informal com o secretário argentino, durante o Encontro Nacional de Comércio Exterior (Enaex), de manhã. Os dirigentes da Abicalçados esperam que sejam ratificados os compromissos negociados no encontro da comissão de monitoramento realizado em outubro, em Buenos Aires, que garantiriam 75% do mercado de importados para os exportadores brasileiros.

A cordialidade entre os negociadores alimenta-se também dos bons resultados do comércio (aumento de 19,4% das exportações brasileiras nos primeiros dez meses do ano, acompanhados por crescimento de 27,7% nas vendas argentinas ao Brasil). Mas não significa ausência de pontos conflitivos na reunião de amanhã.

Serão analisados processos antidumping da Argentina contra produtos brasileiros como armários, transformadores e copos de vidro. O governo brasileiro quer informações sobre as barreiras a serem impostas a esses produtos. Mais importante, o Brasil repetirá a reivindicação para que acabe o tratamento discriminatório dado pelo governo argentino ao grão de trigo e a farinha vendidos por aquele país, sujeitos a impostos de exportação. O imposto encarece a matéria-prima para os moinhos brasileiros e favorece os competidores argentinos.

Os argentinos, embora sem a ênfase do passado, insistem em renovar os acordos "voluntários" de restrição de exportações por parte de produtores brasileiros de calçados e eletrodomésticos da linha branca. O setor privado brasileiro se recusa a isso, com apoio do Ministério do Desenvolvimento. No caso dos calçados, os brasileiros argumentam que, nesses anos de acordo, houve "desvio de comércio", com o aumento das compras de calçados de outros países, em especial da Ásia. As compras de calçados do Vietnã chegaram a aumentar em 141%.

De 2003 a 2005, a participação do Brasil sobre as importações totais de calçados pelos argentinos caiu de 87% para 71%. De janeiro a outubro deste ano a fatia caiu um pouco mais, para 70% (ainda que nessa queda esteja embutida a recuperação ocorrida desde meados deste ano). Apesar das restrições, as exportações brasileiras para a Argentina subiram 19%, em volume, nos dez primeiros meses do ano em comparação com o mesmo período de 2005, para 13,5 milhões de pares. A receita dos exportadores teve alta ainda maior, de 22%, para US$ 111,9 milhões, graças ao aumento no preço médio dos produtos vendidos, de US$ 8,12 para US$ 8,27.

Confirmadas as expectativas da Abicalçados, o Brasil embarcaria 16,5 milhões de pares para os argentinos no ano que vem, 3 milhões de pares a mais do que definia a cota encerrada em junho. Se confirmado, o desempenho será o terceiro melhor da história para os calçadistas brasileiros na relação bilateral, abaixo apenas do recorde de 20,8 milhões de pares em 2001 e dos 18,9 milhões de pares de 2000.

Esse resultado ocorre apesar da perda de importância relativa da Argentina como mercado para os calçadistas brasileiros: segundo o Ministério do Desenvolvimento, as compras argentinas já foram capazes de absorver mais de 11% dos pares exportados e representar 8% das receitas dos calçadistas com exportações. No ano passado, a Argentina comprou apenas 7,5% dos pares exportados e gerou 5,9% do valor obtido pelos exportadores no mercado externo. Neste ano, até outubro, verificou-se uma ligeira recuperação: a Argentina representou 8,9% dos pares vendidos e 6,9% do valor obtidos pelos exportadores com clientes externos. (Colaborou Sérgio Bueno, de Porto Alegre)