Título: Empresas vão à Justiça por Lei Kandir
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2006, Brasil, p. A4

Os Estados enfrentarão resistências na aplicação do dispositivo que lhes permite adiar o benefício que garante às empresas o aproveitamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na compra de material de uso e consumo.

O Senado aprovou a lei que adia o direito das empresas de 1º de janeiro do próximo ano para o início de 2011. Tributaristas sustentam, porém, que a lei que adia o benefício deveria ter sido aprovada até fim de setembro porque as mudanças nos impostos exigem não só a anterioridade anual como também a de 90 dias. Com esse argumento, as empresas teriam praticamente dois meses de uso do benefício. A sanção do presidente Lula à lei aprovada estava prometida para esta semana.

Os advogados apostam na nova disputa e já estão contratando as ações judiciais. No Machado Associados, tradicional na atuação em questões tributárias, pelo menos dez empresas estão interessadas no assunto, com seis ações já programadas para serem distribuídas no Judiciário no início do próximo ano. O Tozzini Freire Teixeira e Silva também tem quatro clientes que já deram clara indicação que levarão a questão para os tribunais.

"Temos tido muitas consultas. Dois meses pode parecer pouco, mas na verdade representa um custo considerável para algumas empresas", diz o advogado Edison Fernandes, do escritório Fernandes, Figueiredo e Teixeira da Silva Advogados. Segundo os cálculos do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), as perdas com os créditos de ICMS em material de uso e consumo são estimadas em R$ 1,4 bilhão ao mês.

A estratégia dos escritórios é unir a ação judicial a um planejamento tributário relativamente simples: antecipar o que for possível de aquisição de material de uso e consumo para os dois primeiros meses do ano. "Obviamente isso não é possível para todos os insumos e exige disponibilidade de caixa, mas é a orientação que damos aos clientes", diz Fernandes. "O fato das empresas comprarem esse tipo de material à medida do uso facilita esse tipo de planejamento."

Os Estados não deverão aceitar pacificamente a brecha encontrada pelos escritórios. A coordenadora do Confaz, Lina Maria Vieira, refutou publicamente, na semana passada, o argumento da anterioridade de 90 dias. Segundo ela, essa antecedência só precisa ser respeitada em caso de aumento de imposto ou criação de novo imposto. Para ela, a previsão do direito de aproveitamento do ICMS em material de uso e consumo não se encaixa em nenhuma das duas hipóteses. O precedente usado pelos Estados é o da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O Supremo Tribunal Federal decidiu que a prorrogação da cobrança da CPMF não necessitava seguir a anterioridade nonagesimal.

O advogado Júlio de Oliveira, do Machado Associados, discorda. Ele diz que o caso da CPMF tratou da prorrogação de uma cobrança não existente enquanto a previsão do ICMS sobre uso e consumo previa um benefício a partir de uma determinada data. "As empresas se programaram em função de um direito a ser exercido a partir de 1º de janeiro. Se houver mudança nisso, a legislação em vigor hoje garante ao contribuinte que as normas mudem com no mínimo 90 dias de antecedência."