Título: Para europeus, China não substitui papel da UE na AL
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2006, Internacional, p. A11

Atentos aos passos que China e Rússia vêm ensaiando na América Latina, autoridades da União Européia querem acelerar as negociações para um acordo comercial com o Mercosul, retomadas no início do mês após dois anos de impasse. Os europeus falam em melhorar suas ofertas, especialmente no acesso para produtos agrícolas, o que atenderia a interesses brasileiros e argentinos. Mas pedem que os sócios sul-americanos acertem suas disputas internas e adotem discurso único para negociar.

"Quando dizemos que queremos reforçar nossos contatos com a América Latina, queremos ter uma relação política e econômica e compreender os interesses de médio e longo prazos. A China está fundamentalmente interessada nas matérias-primas da região para sustentar seu enorme crescimento, mas não tem interesse em investir na indústria latino-americana, que é um competidor", disse ontem em Bruxelas uma autoridade da Comissão Européia ligada a questões latino-americanas.

Na sua opinião, por causa dessa falta de interesse é que a China até agora não cumpriu a promessa feita de investir na região, feita há dois anos quando o presidente Hu Jintao visitou o Brasil e alguns vizinhos. A contrapartida era que a China fosse reconhecida como uma economia de mercado.

No caso dos russos, que têm se aproximado da Venezuela e que estariam interessados no projeto do gasoduto que cortaria a America do Sul, a alegação dos europeus é de que eles não têm fôlego financeiro nem tampouco interesse em investir no desenvolvimento da região. E isso não faltaria à UE.

"O interesse da Europa não é só comercial, mas também de cooperação e de diálogo político", acrescentou Karl Falkenberg, vice-diretor-geral de Comércio da UE, em entrevista a jornalistas brasileiros.

Em conversas reservadas, as críticas à China vão além. Para uma autoridade, o descaso da China com direitos humanos é outra das diferenças que os latino-americanos teriam de enfrentar ao se aproximarem de Pequim em detrimento da Europa. "A forma como tratam essas questões é muito inferior à forma como nós tratamos."

Iniciada em 1999 e colocada na geladeira em 2004, a negociação UE-Mercosul ganhou novo impulso há poucas semanas, após uma reunião no Rio de Janeiro.

"Temos claro que não se trata de uma negociação na qual só os europeus pedem avanços adicionais do Mercosul. Sabemos que para o Mercosul avançar nas suas ofertas, como no de setor de serviços, precisa ter a certeza que a UE avançará nas ofertas de acesso ao seu mercado agrícola", afirmou Falkenberg.

Os europeus querem acesso a setores de indústria e serviços, entre os quais transportes marítimos, telecomunicações, serviços financeiros e postais. O Mercosul pede principalmente mais acesso ao mercado agrícola da Europa.

Dois técnicos europeus familiarizados com a negociação se queixaram da falta de sintonia entre os sócios do Mercosul. Um deles diz que o otimismo brasileiro parece sempre muito maior que o da Argentina, que tenta proteger sua industria automobilística e resiste à idéia de abrir as portas para empresas européias. "Acho que o Mercosul poderia fazer um exame de consciência, avaliar todas as oportunidades de ganho que tem com um acordo com a EU e deixar um pouco de pensar nacionalmente para pensar regionalmente."

O jornalista viaja a convite da UE