Título: Pressão aumenta sobre mediadores agrícola e industrial da Rodada Doha
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2007, Brasil, p. A2

A pressão aumenta sobre os mediadores das negociações agrícola e industrial da Rodada Doha, para influenciar nos textos que eles vão colocar na mesa na semana que vem, como bases para um acordo que salve a negociação global do fiasco.

Carlos Cavalcanti, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), disse ter compreendido que o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, fez demanda menos ambiciosa ao Brasil na área industrial na semana passada, em Lisboa. Em vez do corte de 58% que exigia em Potsdam, a União Européia agora aceitaria algo como 53%. Mas Cavalcanti condiciona esse corte, que significa coeficiente 25, a limite de US$ 12 bilhões nos subsídios agrícolas dos Estados Unidos. Os americanos admitiram limitar as subvenções a US$ 17 bilhões em Potsdam.

Mas em Genebra, alguns países do G-90, reunindo nações da África, Caribe e Pacífico, ameaçam condicionar um acordo a que os EUA limitem a algo "abaixo" de US$ 12 bilhões. "Isso seria matar a negociação de vez", reagiu um importante negociador. Certas fontes indicam que os EUA aceitariam fechar acordo com limite de US$ 14 bilhões nos subsídios agrícolas. Visto de Washington, porém, isso parece pouco realista, avalia o professor Jagdish Bhagwati. Ele constata que a representante comercial americana, Susan Schwab, não tem nenhum apoio político de nenhum partido nos EUA para reduzir subsídios agrícolas. Os democratas só aguardam para conquistar a Casa Banca e os republicanos estão aterrorizados com o risco de perder o poder. E nenhum quer correr o risco de perder votos a esta altura.

Uma questão é até que ponto países pobres, que o Brasil diz querer "refletir o interesse", desejam concluir a rodada. Afinal, a redução global de tarifas vai erodir a preferência comercial que eles têm nos mercados industrializados.

Basta ver o entusiasmo de 15 países do Caribe que estão concluindo um acordo comercial com a UE, para entrar em vigor em janeiro do ano que vem. "As elites do Caribe estão entusiasmadas, conseguimos muito", afirma o embaixador da República Dominicana em Bruxelas, Federico Cuellar Camilo. Segundo ele, a UE aceitará a entrada de praticamente todos os produtos sem cobrar tarifas. A exceção são açúcar e arroz, que terão cotas, mas só até o fim de 2009, depois é tudo livre. Por enquanto, a UE dará cota adicional de 30 mil para o açúcar caribenho, que vai se juntar às que os países já têm. Além disso, a UE facilitará a entrada de trabalhadores temporários do Caribe para funções como artistas, dançarinos, manicures, assistentes a idosos, etc.

"Vamos enfim poder exportar açúcar para a UE, é algo que nunca tínhamos podido vender", diz o embaixador. A contrapartida exigida por Bruxelas é que os países do Caribe acelerem a integração. E que, se derem preferência a qualquer outro grande parceiro, ela seja estendida automaticamente aos países europeus.

Outra questão é a China. O "Wall Street Journal" publicou longo artigo na semana passada, avaliando que emergentes como o Brasil, Índia e Coréia do Sul estão cada vez mais preocupados com um acordo global na OMC porque isso significa corte de tarifas industriais que os expõem mais ainda à concorrência de produtos baratos da China. E esses países prefeririam agora a via bilateral.

O ministro da Relações Exteriores, Celso Amorim, passou por Genebra e transmitiu ao diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, a confirmação de que o Brasil está engajado em salvar a rodada. No entanto, em Lisboa, num encontro entre empresários europeus e brasileiros, o setor automotivo brasileiro colocou um bemol às ardorosas defesas da Rodada de Doha, mostrando que no país o temor aumenta de fato em relação ao concorrente chinês.

Elisabeth Carvalhaes, diretora da Anfavea, diz que quem sairá ganhando com a negociação global será a China. E, pior, os chineses avançam onde o Mercosul quer preferência comercial. Estão instalando oito importadoras na África do Sul, com o qual o Mercosul está concluindo um acordo. Também instalam uma pequena montagem no Uruguai e uma enorme montagem no México. O México e o Brasil têm acordo automotivo, de forma que os carros chineses vindo do mercado mexicano poderão entrar com imposto zero no Brasil, enquanto os carros da Europa só entram com tarifa de 35%.

"A China pode ser uma ameaça no curto prazo, mas no longo prazo sua concorrência também vai diminuir", estima Sam Laird, ex-economista da OMC e da Unctad e atualmente professor convidado de várias universidades. "Pequim já enfrenta problema de preço, de alta das commodities, de mão-de-obra, falta d'água etc". Para Laird, o problema na OMC é mesmo a alta demanda dos países industrializados.