Título: Decisão de fazer a transposição é irreversível, diz Geddel
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2007, Brasil, p. A

Apesar de dizer-se aberto ao diálogo, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, avisa aos opositores da transposição de águas do Rio São Francisco: as obras são irreversíveis e não há negociação em torno da continuidade do projeto em si.

Após uma semana de tensão em Cabrobó (PE), onde integrantes de movimentos sociais, índios e trabalhadores sem-terra invadiram os primeiros canteiros de obras da transposição, Geddel disse ao Valor que "o limite das manifestações é o cumprimento da lei" e defendeu que o governo tem toda a legitimidade para avançar no projeto. "Ou alguém, ao votar no presidente Lula em outubro do ano passado não sabia que ele pretendia tocar o projeto de integração de bacias?"

O ministro avaliou que, como a construção de Brasília ou as hidrelétricas do Rio Madeira, há obras de engenharia que jamais terão consenso. Sua posição é de "dialogar sempre, participar do debate e acatar sugestões". "Reconheço o papel da Igreja, dos sindicatos, de entidades da sociedade civil. Mas eles não têm legitimidade para governar. Esse papel cabe ao governo", frisou o ministro. Até o bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio, recebeu uma alfinetada. "O bispo Cappio não encontrará em mim ninguém para fazer polêmica. Se ele me agredir, oferecerei a outra face", emendou Geddel, em menção a ensinamentos da Igreja Católica.

Geddel reconhece problemas, como a baixa execução orçamentária de recursos para a revitalização do São Francisco, mas rebate ponto a ponto as críticas de adversários à transposição. Sobre a liberação de verbas - a União empenhou apenas 1,5% do total disponível a esses programas, até meados de junho -, o ministro disse que está levando à Casa Civil uma proposta de retirar de municípios a exigência de adimplência com o governo federal para receber dinheiro do orçamento para as obras de revitalização do rio. Normalmente, requer-se um atestado de adimplência para o repasse de verbas. A não ser para recursos a áreas como saúde e educação, que o ministro pretende estender à revitalização.

Há quatro meses no comando da Integração Nacional, Geddel conta que tem estudado o assunto exaustivamente e concluiu que poços artesianos e cisternas podem ser soluções complementares, mas não alternativas ao projeto de transposição. Segundo ele, há 25 mil poços já perfurados no semi-árido nordestino, mas o solo cristalino impede de expandir essa opção, porque a água sai com alto teor de salinidade.

As cisternas, bem como novas adutoras, serão a base de um programa tido como prioritário pelo ministro, o Água para Todos, que levará água a comunidades ribeirinhas que, apesar de próximas do São Francisco, não têm acesso aos seus recursos. A Codevasf, subordinada ao Ministério da Integração, já tem prontos projetos executivos para licitar R$ 30 milhões em obras do Água para Todos. Os últimos detalhes do projeto, que beneficiará 1.800 comunidades, segundo Geddel, estão sendo definidos com o Ministério da Saúde e a Funasa.

Mas só a transposição, alegou o ministro, pode vencer a ameaça constante de colapso hídrico que vivem cidades médias ou grandes, como Campina Grande, Fortaleza e Mossoró. "Os argumentos de quem se opõe ao projeto são equivocados, falaciosos e, às vezes, até mesmo mentirosos", criticou Geddel. Para ele, falta informação e o governo precisa esclarecer melhor à sociedade civil seus objetivos com a transposição. Uma campanha está sendo estudada com a Secretaria de Comunicação Social (Secom). "Penso, também, em solicitar uma rede nacional (de televisão e rádio) em que eu possa me dirigir às pessoas sobre o início das obras e explicar o que está sendo feito."

Para o ministro, o empreendimento é perfeito do ponto de vista ambiental e há vários projetos em andamento para minimizar os impactos, em atendimento às exigências do Ibama. "Acho engraçado que, quando o Ibama não concede a licença para as usinas do Madeira, os ambientalistas elogiam a atuação e independência do órgão. Mas, quando o mesmo Ibama libera a transposição, recebe críticas", constatou.

Uma das falhas dos ambientalistas é questionar os efeitos para o rio da retirada de 26 metros cúbicos por segundo de sua vazão, enquanto pouco se fala do uso clandestino das águas do São Francisco, segundo Geddel. Ele vai pedir à Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pelas outorgas do rio, uma espécie de "pente-fino" ao longo do rio para apurar as retiradas clandestinas.

Até o fim de julho, acrescentou o ministro, deverá ser conhecida a empresa ou consórcio vencedor do primeiro dos 14 lotes de obras civis que estão sendo licitados. A partir de 2008, o projeto será tocado majoritariamente pelas construtoras. O valor total da licitação chega a R$ 3,3 bilhões. A equipe do ministério, em consultas com a Advocacia-Geral da União (AGU), estuda uma forma de inabilitar a Gautama, que entrou na concorrência de um dos 14 lotes em disputa, mas está sendo investigada pela Polícia Federal por acusações de fraude em licitações.