Título: Mudar para crescer
Autor: Sá, Thomás Tosta de
Fonte: Valor Econômico, 28/11/2006, Opinião, p. A12

Durante 80 anos - 1900 a 1980 - o Brasil foi a segunda potência mundial em termos de crescimento econômico. Nos últimos vinte e cinco anos, porém, o país apresentou um crescimento envergonhado. Para o pais voltar a crescer é preciso investir. Para investir é preciso recursos. Para obter recursos é preciso mudar.

O governo gasta hoje 40% do PIB e investe apenas 0,6%. Das despesas do governo, 12% do PIB são gastos previdenciários e 8% do PIB consumidos com juros. Se analisarmos, sob o prisma de gastos per capita, os números ficam ainda mais assustadores: o governo gasta R$ 8 mil por ano com benefícios previdenciários, R$ 2 mil por ano com saúde, alimentação e segurança; e investe apenas R$ 100 por ano.

Para crescer é preciso mudar. E a prioridade dessa mudança está nos gastos previdenciários. Como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na noite da confirmação de sua reeleição, todos sabem que não se pode gastar mais do que se recebe. Se nada fizermos, os gastos previdenciários irão aumentar dos atuais 12% do PIB para 16% nas próximas décadas. E a sociedade brasileira não suporta mais aumentos de tributos para atender esses gastos adicionais

O Brasil é um país jovem com apenas 6% de sua população acima dos 65 anos. Países como o México, Coréia do Sul e Tailândia, com populações de idosos semelhantes à nossa, apresentam gastos previdenciários respectivamente de 5%, 3% e 2% do PIB, enquanto o Brasil apresenta 12%. Não é de surpreender que esses países apresentem taxas de crescimento econômico muito superiores às nossas.

O passivo previdenciário brasileiro (as obrigações com aposentados e pensionistas e a projeção das obrigações com os participantes do sistema atual trazidos a valor presente) é da ordem de 2 a 3 PIBs, dependendo da taxa de desconto utilizada. Isso significa uma dívida de longo prazo do governo de 4 a 6 vezes o tamanho da dívida pública.

Uma mudança no modelo previdenciário que sinalize para os agentes econômicos um equacionamento - mesmo que a longo prazo - desse enorme passivo previdenciário resultará, imediatamente, numa redução do risco-país.

Com a redução do risco-país, as taxas de juros poderão cair mais rapidamente. A despesa do governo com juros em relação ao PIB passaria dos atuais 8% para 3% ou 4%, permitindo a retomada imediata dos investimentos públicos.

Investimentos públicos em infra-estrutura estimularão os investimentos privados. Com mais investimentos teremos a criação de mais empregos. A taxa de desemprego entre os jovens brasileiros cairá significativamente e as tensões sociais, hoje crescentes em função do pífio crescimento dos últimos 25 anos, diminuirão.

Há dois anos, um grupo de noventa entidades representativas de diversos setores da sociedade brasileira (sindical, industrial, comercial, serviços e financeiro ) identificou a mudança do nosso modelo previdenciário como a principal proposta a ser apresentada ao novo presidente eleito, para ser posteriormente encaminhada ao Congresso Nacional em 2007.

Esse novo modelo previdenciário, planejado para vigorar para os novos trabalhadores, está baseado nos seguintes pontos: 1) separação entre previdência e assistência social; 2) segregação entre benefícios de risco e programáveis, sendo o financiamento de risco em regime solidário e mutual; 3) classificação dos benefícios programáveis, ou aposentadoria propriamente dita, baseado em dois pilares: a) de repartição e b) de capitalização; 4) montagem de um planejamento atuarial rigoroso e realista; 5) estabelecimento de um modelo único e universal para todos os beneficiários da Previdência Social; 6) estabelecimento de um tratamento específico para os trabalhadores rurais; 7) desvinculação dos benefícios previdenciários e assistenciais do salário mínimo; 8) reconhecimento dos direitos femininos.

-------------------------------------------------------------------------------- Separação da previdência e da assistência social permitirá a apresentação de uma proposta mais justa para toda sociedade --------------------------------------------------------------------------------

O sistema de previdência é de natureza contributiva e deve ser atuarialmente equilibrado, enquanto a assistência social é não contributiva e deve ser a mais universal possível dentro dos limites do orçamento fiscal.

Os benefícios de risco que incluem doença, invalidez, maternidade, reclusão e pensão continuarão a ser tratados, como no sistema atual, em regime solidário e mutual, enquanto para os benefícios programáveis, ou aposentadoria propriamente dita, propomos um pilar com um teto mais realista do que o atual em regime de repartição.

Nesse regime, garantido pelo governo, em que a geração atual esta pagando pela aposentadoria de seus pais e avós, na expectativa de que seus filhos e netos venham a pagar pela sua, estão incluídos quase 80% dos participantes.

Para os 20% restantes propomos a mudança do atual sistema de repartição para um sistema de capitalização de contas individualizadas, com liberdade de escolha para o participante de quem será o administrador de sua poupança previdenciária.

Ao propormos esse sistema de capitalização, dentro do INSS, buscamos reduzir o passivo previdenciário futuro do governo oferecendo uma possibilidade para uma participação crescente dos trabalhadores, por meio de sua poupança previdenciária, na participação do capital das empresas brasileiras.

No início da década de 1970, durante os anos da Guerra Fria, em que, politicamente, o socialismo se identificava com o modelo soviético, Peter Drucker, o pai da teoria da administração de empresas, dizia que o trabalhador americano, por meio da poupança previdenciária, seria o detentor das ações das maiores empresas americanas. Hoje, os fundos de pensão americanos têm um patrimônio de 100% do PIB, com 70% dele aplicado em ações dessas empresas.

O novo modelo previdenciário proposto, além de contribuir para a redução do risco-país e aumentar a taxa de investimento público, estará redirecionando uma parcela significativa da poupança doméstica para as mãos dos próprios trabalhadores.

Ao introduzir a separação de assistência e previdência, propondo a criação de uma renda básica para o idoso; ao reconhecer o direito feminino, diferenciando-o por um período menor de contribuição para as mulheres; e ao desindexá-lo do salário mínimo, mas propondo um sistema de correção dos benefícios previdenciários por índice de preços ao consumidor da terceira idade, que reflita a inflação dos gastos desse segmento da população, estamos apresentando uma proposta socialmente mais justa para toda a sociedade brasileira que contribuirá para mais investimentos no país, com maior geração de empregos para os jovens.

Thomás Tosta de Sá é Presidente da Associação dos Antigos Alunos da PUC-RJ, sócio da Mercatto Gestão de Recursos e ex-presidente da CVM.