Título: Pimentel promete conter alta do real
Autor: Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 04/01/2011, Economia, p. 12

NOVO GOVERNO Ministro do Desenvolvimento garante que não ficará inerte em relação à queda do dólar, que já prejudica as exportações. Ele prega a redução dos gastos públicos para que as taxas de juros possam baixar

O governo não ficará passivo em relação à supervalorização do real frente ao dólar, que está tirando a competitividade dos produtos nacionais no exterior e provocando um rombo monstruoso nas contas externas do país ¿ há quem aposte em um buraco de até US$ 100 bilhões neste ano, o primeiro da administração de Dilma Rousseff. O aviso foi dado por Fernando Pimentel, empossado ontem ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Segundo ele, Dilma está muito preocupada com os efeitos do câmbio sobre as exportações brasileiras. ¿Por isso, o governo não ficará passivo e inerte com a nossa moeda se valorizando e prejudicando a indústria¿, disse, logo depois de assumir o posto ocupado por Miguel Jorge no governo Lula.

Na avaliação de Pimentel, um dólar cotado a R$ 1,65 ¿ fechamento de ontem ¿ desorganiza a produção nacional. Mas, para ele, é importante procurar caminhos para corrigir as distorções preservando o sistema de câmbio flutuante, um dos pilares da política macroeconômica do país. Ele destacou que o combate à guerra cambial exigirá um ¿esforço na disciplina fiscal, tarefa delicada de engenharia econômica e política¿. Só assim, acrescentou, será possível o governo reduzir as taxas de juros e, com isso, afastar do Brasil o capital especulativo que supervaloriza o real. Ele também pregou como fundamentais para incentivar as exportações o aumento dos investimentos em infraestrutura e a redução da carga tributária. Com isso, os produtos nacionais ganharão mais competitividade.

Pimentel, 59 anos, que é formado em economia, mestre em ciências políticas e amigo pessoal de Dilma, fez questão de explicar conceitos técnicos. Comparou os efeitos do câmbio flutuante a patinhos de borracha que navegam em uma onda. ¿Leigos pensam que câmbio flutuante é um grande navio, como o Titanic, flutuando. Na verdade, é uma porção de patinhos de borracha flutuando na mesma onda, uns lá em cima, outros lá em baixo. Isso se chama competitividade¿, destacou. Para ele, é preciso olhar setor por setor da indústria para definir prioridades e medidas de incentivo. Mas, com a ajuda do governo, as empresas terão de aumentar a produtividade. ¿Desoneração (de impostos) não resolve problema de longo prazo¿, assinalou.

Único mineiro no primeiro escalão da atual administração, Pimentel negou que Dilma tenha a intenção de fazer grandes mudanças na área econômica. ¿Ela manterá as linhas traçadas pelo ex-presidente Lula. O governo Dilma é de continuidade. Não se espera anúncio de medidas de impacto, de pacotes na área econômica¿, afirmou. Ele destacou ainda que a equipe econômica será coordenada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Mas a ordem da presidente é de que todos trabalhem afinados, até porque situações específicas, como o comportamento da taxa de juros, ¿não dependem de um só gestor¿.

Pimentel disse que, entre as suas prioridades, está a segunda etapa do Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP), para dar maior competitividade à indústria. Esse tema, inclusive, já foi tratado com Mantega, que tem ¿a mesma visão sobre o assunto¿. No entender do ministro, o Brasil precisa investir em inovação para galgar espaços maiores no exterior. ¿A indústria, para se desenvolver, precisa ser competitiva internacionalmente. Inovação, internacionalização, investimentos, parcerias, todos são ingredientes do país que almejamos¿, disse.

Ele garantiu ainda que criação do BNDES-Exin ¿ braço do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social , BNDES, para o financiamento de comércio exterior ¿ não foi abandonada. ¿O projeto ficou parado temporariamente, em função do período eleitoral. O BNDES-Exin deve entrar em funcionamento a todo vapor no primeiro semestre deste ano¿, frisou. E, para não deixar dúvidas, assegurou que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) continuará vinculada a seu ministério. Nas últimas semanas, foi aventada a possibilidade de o órgão ser transferido para a Casa Civil. ¿A Camex continuará no Mdic e será um importante instrumento para que o governo fale a mesma língua em relação ao comércio exterior¿, disse. Prova disso foi a convocação de Dilma aos ministros que compõem a Camex para uma conversa, antes da primeira reunião, marcada para o fim de janeiro.

Moeda americana derrete

Em queda pelo terceiro dia seguido, o dólar encerrou as negociações de ontem ¿ primeiro dia útil de 2011 ¿ no menor patamar em mais de dois anos frente ao real. A moeda norte-americana caiu 0,95%, cotada a R$ 1,651, valor sem precedente desde 1º de setembro de 2008, quando cravou R$ 1,647. Para tentar conter esse derretimento, o Banco Central interveio duas vezes no mercado comprando o excesso de divisas estrangeiras no mercado. Mas o esforço foi em vão. Segundo os especialistas, a tendência do dólar é de baixa, porque os investidores apostam que o Brasil continuará atraindo cada vez mais dinheiro nos próximos meses, especialmente por meio da oferta de ações de grandes empresas e de instituições financeiras.

Para os operadores, a contínua queda do dólar deve ¿acender a luz amarela¿ no governo e medidas para conter esse movimento poderão ser anunciadas nas próximas semanas, ainda que as autoridades neguem. ¿O mercado aumentará a atenção em relação ao governo agora. Não é possível que eles fiquem de braços cruzados¿, comentou um analistas, depois que o novo ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, disse que a administração Dilma Rousseff não ficará passiva diante da supervalorização do real, que está tirando a competitividade das exportações brasileiras.

O bom humor nas bolsas de valores internacionais, após a constatação de que a economia dos Estados Unidos está recuperando o fôlego, e a discreta recuperação do euro, que foi cotado a 1,339 ante o dólar, também favoreceram o movimento de baixa da divisa norte-americana. ¿Vamos acompanhar atentamente os mercado. Não se pode esquecer que os bancos estão apostando mais de US$ 15 bilhões na queda do dólar no Brasil¿, lembrou outro especialista.

Impulsionada pelas ações da mineradora Vale, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), ultrapassou os 70 mil pontos ao longo da segunda-feira. Mas acabou recuando um pouco por causa dos papéis da Petrobras, que caíram assim que os investidores receberam a notícia sobre a intenção do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, de conversar com o presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, sobre a possibilidade de a empresa comprar uma participação na portuguesa Galp. O Ibovespa, índice que mede a lucratividade das ações mais negociadas no pregão paulista, encerrou o dia com ganho de 0,95%, nos 69.962 pontos, acompanhando a Bolsa de Nova York. O Índice Dow Jones subiu 0,97%. As principais bolsas europeias fecharam com lucro, exceto a de Londres que prosseguiu fechada, depois das festas de ano-novo. A Bolsa de Paris registrou alta de 2,52% e de Frankfurt subiu 1,09%.

Vendas de US$ 228 bi em 2011

O Ministério do Desenvolvimento previu ontem que, a despeito do real supervalorizado, as exportações brasileiras crescerão 13% em relação ao ano passado, totalizando US$ 228 bilhões. A expectativa do governo é de que, com a retomada das economias desenvolvidas, ainda que em um ritmo lento, as vendas dos produtos nacionais mundo afora sejam incrementadas.

Apesar de todos os problemas nos Estados Unidos e na Europa, a balança comercial brasileira fechou 2010 com superavit de US$ 20,1 bilhões, o pior resultado dos oito anos de governo Lula. Com o dólar barato e o aumento do poder de compra, os consumidores não se fizeram de rogados e importaram de tudo, sobretudo bens de maior valor, como carros.

Para Miguel Jorge, que foi substituído no comando do Ministério do Desenvolvimento por Fernando Pimentel, mais importante do que o saldo da balança foi o fato de o Brasil ter encerrado o ano passado com exportações recordes, de US$ 201,9 bilhões. Irônico, Jorge recomendou a seu sucessor que não leve em conta as projeções dos analistas sobre o comércio exterior, devido a erros constantes.

¿Cuidado com os analistas, pois eles erram em todas as previsões. Eles chegaram a dizer que haveria deficit de US$ 11 bilhões na balança comercial deste ano e o que vimos foi um superavit de US$ 20 bilhões¿, frisou o ex-ministro. Ele reconheceu, porém, que há muitos desafios a serem enfrentados pelo país para ampliar a sua participação no comércio mundial, que, entre 2009 e 2010, passou de 1,26% para 1,3%, um salto ínfimo para um país que toma ares de potência econômica.