Título: Brasil tenta aproximar posições na área agrícola para retomar Doha
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2006, Brasil, p. A2

O Brasil estará esta semana no centro de tentativas para aproximar posições entre os principais países sobre o corte de tarifas e de subsídios agrícolas, na esperança de retomar a Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e seu colega indiano Kamal Nath participarão em Genebra de discussão sobre a OMC promovida pela União InterParlamentar. Mas, sobretudo, durante sua estadia na Europa, Amorim poderá ter encontros bilaterais com negociadores-chaves, incluindo o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson.

Desde a suspensão da rodada global de negociações, em fins de julho, os principais países deflagraram a chamada "diplomacia silenciosa". Há duas semanas, negociadores do Brasil, chefiados pelo ministro Roberto Azevedo, estiveram em Paris discutindo a negociação agrícola com representantes dos Estados Unidos e da União Européia (UE).

Agora, chegou o momento de ministros entrarem diretamente nas discussões. Em encontros sempre bilaterais, Amorim, Nath, Mandelson e outros vão verificar os eventuais avanços feitos informalmente entre negociadores, e ver como podem acelerar politicamente a volta da negociação.

As dificuldades não mudaram sobre como cortar tarifas e subsídios, mas negociadores dizem haver "formas para se encontrar o caminho que aproxime as posições e permita retomar a negociação".

O cenário das discussões tem sido idêntico: cada flexibilidade acenada por um país é quase sempre vista como insuficiente pelos outros, e com um preço caro demais, além do que os parceiros estão dispostos a pagar. Assim, os americanos só se comprometem com corte maior nos subsídios domésticos se os europeus aceitarem redução tarifária num nível que Bruxelas diz não ter condições de atender.

Nas últimas semanas, os EUA aumentaram a pressão sobre a UE para que aceite cortes acima de 54% nas tarifas agrícolas. O comissário europeu Mandelson retrucou que Bruxelas está pronta a melhorar sua oferta, mas só acena com corte de 50%.

Já a poderosa confederação agrícola européia Copa-Cogeca divulgou nota na sexta-feira alertando que a Europa só pode se engajar em redução média de 46% nas alíquotas agrícolas, corte de 75% nos subsídios domésticos e eliminação de subsídios à exportação. "Contrariamente à UE, os Estados Unidos não fizeram nenhuma tentativa para colocar sua política agrícola em conformidade com a OMC", diz o comunicado. "Agora que a eleição nos EUA terminou, esperamos que os americanos estejam em condições de fazer uma oferta do mesmo peso da feita pela UE".

Os americanos são cobrados pelo Brasil e outros parceiros a cortar "alguns bilhões" na cifra de US$ 22,4 bilhões, que é o teto proposto por Washington para seus subsídios domésticos. O Brasil também considera essencial limitar o montante de ajuda americana para soja, algodão, trigo, milho e arroz.

Um dos personagens-chave da posição americana, o futuro presidente do Comitê Agrícola da Casa dos Representantes, o deputado democrata Collin C. Peterson (de Minnesota), estará hoje no Rio com uma delegação de parlamentares dos EUA, em contatos com representantes brasileiros. Peterson tem elogiado a política de etanol no Brasil. Fora isso, parece ser incerto que ele aceite maior flexibilidade dos EUA na OMC. Para os americanos, não há como fazer "desarmamento unilateral".

O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, e outros negociadores reconhecem que é preciso haver progresso na Rodada Doha antes que o Congresso americano comece a discussão sobre a nova "Farm Bill", a lei agrícola americana, no ano que vem. O senador republicano Charles Grassey previu que o Congresso, agora controlado pelos democratas, tenda a aumentar os gastos na área agrícola.

É nesse cenário que Crawford Falconer, o mediador da negociação agrícola na OMC, voltará a reunir os principais países, esta semana, para discutir a retomada dos trabalhos técnicos, que servirão de base para reativar a rodada. Antes da suspensão da rodada, americanos e europeus estiveram próximos de um acordo sobre o número de linhas tarifárias que seriam designadas como sensíveis (sujeitas a corte menor), que poderia ficar entre 4% a 5%. No entanto, estavam longe de se entenderem sobre o tamanho das cotas tarifárias para produtos agrícolas.

Em janeiro próximo pode haver uma reunião ministerial em Davos (Suíça), a margem do Fórum Mundial de Economia. Se até março não ocorrer algum entendimento na área agrícola, a rodada poderá ser empurrada de vez para 2009, certamente em novas bases e com um novo membro: a Rússia.

Enquanto isso, alguns dos principais negociadores agrícolas estão deixando a rodada. É o caso do americano Jason Hafemeister e da européia Mary Minch, o que reflete um certo desalento nos quadros dos dois elefantes do comércio mundial sobre o futuro da negociação global.