Título: MP pode elevar registro de doença ocupacional
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2006, Brasil, p. A4

A medida provisória que reajusta as aposentadorias prevê uma mudança que traz impacto trabalhista e tributário para as empresas. O texto, que seguiu para o Senado, após aprovação na Câmara semana passada, determina que os peritos médicos do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) deverão levar em consideração uma lista de doenças mais freqüentes em cada uma das categorias profissionais. A lista, que não existia antes, servirá para classificar uma doença como "ocupacional", e não como doença comum.

O impacto prático, segundo sindicatos de trabalhadores e advogados de empresas, é aumentar o número de casos classificados como doença relacionada à atividade. Hoje, somente 10% dos afastamentos possuem essa classificação. O efeito para a empresa é manter o recolhimento de 10% do salário a título de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) durante o afastamento, além de ser obrigada a garantir um ano de estabilidade no retorno ao trabalho do funcionário com doença ocupacional. Na doença comum, o FGTS é suspenso e não existe estabilidade.

"O texto abre grande porta aos empregados. Ele permite a classificação de doenças degenerativas como ocupacionais", diz Marcel Cordeiro, advogado trabalhista e previdenciário do Pompeu, Longo, Kignel & Cipullo Advogados. "Em razão das repercussões para a empresa, os empregadores evitavam caracterizar uma doença como relacionada à atividade. Com o texto que foi ao Senado, isso será mais difícil."

Os bancários são uma categoria na qual é comum se evitar falar em doenças do trabalho. Mesmo tendo direito ao afastamento, os trabalhadores muitas vezes escondem o problema por receio de serem deixados de lado na volta ao trabalho, explica Walcir Previtale Bruno, diretor de saúde do sindicato dos bancários de São Paulo. Ele diz que grande parte das empresas se nega a fazer o Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) e, por isso, o próprio sindicato acaba emitindo o documento, que, na maioria das vezes, não é aceito pelos peritos do INSS.

Bruno estima que 10% dos bancários da base do sindicato tenham algum tipo de doença relacionada ao trabalho. A doença mais comum é a lesão por esforço repetitivo (LER), seguida por problemas na coluna. "É complicado para o bancário se afastar, porque depois ele, geralmente, volta para a mesma função e a doença persiste", explica o diretor. Para ele, a MP 316 é muito positiva, mas é preciso avançar mais. "Queremos políticas de prevenção e reabilitação dos bancários, além de recolocação em outras funções", diz.

O advogado Carlos Eduardo Ambiel, do Felsberg e Associados, diz que o texto da medida ainda garante expressamente que o agravamento da doença também pode ser considerado como ocupacional. "A legislação anterior à MP excluía doenças pré-existentes como ligadas à atividade. Agora, o novo texto permite que mesmo casos prévios sejam relacionados à ocupação", explica o advogado.

"Os empregados que tiverem as moléstias listadas entre as de maior incidência em sua categoria provavelmente terão mais facilidade para fazer com que a doença seja caracterizada como acidentária", diz o advogado trabalhista José Alberto Fernandes Lourenço, do Albino Advogados Associados.

Karla Bernardo, responsável pela área legal trabalhista da Pacum Consultoria Tributária, vai mais longe. "A regulamentação pode levar em consideração as doenças de maior incidência por empresa. Nesse caso até mesmo doenças como malária, comum em algumas regiões do Brasil, podem ser consideradas como ocupacionais", acredita.

No caso de doença ocupacional, a empresa ainda fica sujeita a ação por danos materiais e morais, tipo de reclamação que tem crescido, segundo os juízes do trabalho. Até 2004, essa ação era julgada pela Justiça cível comum, esfera na qual os processos tramitam de forma mais lenta. Hoje, é julgada pela Justiça trabalhista, que costuma definir esse tipo de questão em menos tempo, dependendo da região, diz Sebastião Geraldo de Oliveira, juiz do Tribunal Regional do Trabalho em Minas Gerais. "Em nossa região, a Justiça trabalhista soluciona casos como esses em oito meses, passando pelas duas primeiras instâncias. Na Justiça cível, a discussão demoraria anos", diz Oliveira.

Karla diz que a legislação anterior à MP dava ao empregado a tarefa de provar que doença era relacionada ao trabalho. Com a correlação entre atividade e a moléstia decretada pelo INSS, é o empregador quem precisará fazer a prova de que a doença não está relacionada à atividade.

Segundo o advogado Marcel Cordeiro, a agência do INSS em Americana, interior de São Paulo, já começou a questionar alguns afastamentos por doença comum, exigindo que a empresa prove que a moléstia não é ocupacional. "Há uma dezena de casos na região."

Eunice Cabral, presidente do sindicato das costureiras de Osasco e São Paulo, diz que a mudança foi bem-vinda. Segundo ela a categoria apresenta alto índice de LER, perda de visão, problemas de coluna e trombose. Para ela, a nova lei pode fazer com que o número de afastamentos da categoria por doença profissional suba dos 10% para 20%. "Isso somente considerando o número de casos que chegam ao sindicato. A elevação pode ser maior." Eunice diz que o sindicato já está selecionando casos que podem ser beneficiados pela mudança, caso o texto que foi ao Senado seja mantido.

O advogado Carlos Ambiel é mais cauteloso na avaliação. Para ele, os resultados da nova medida dependerão muito da regulamentação. "Isso deverá ser estabelecido por um decreto que poderá facilitar ou não a caracterização das doenças como ocupacionais."

A expectativa do advogado é que a regulamentação seja detalhada a ponto de distinguir as moléstias comuns das relacionadas ao trabalho. "Mesmo que seja uma das doenças listadas, é necessário verificar outras questões: a doença pode ter sido adquirida em uma segunda ocupação mantida pelo empregado", diz Ambiel. (Colaborou Raquel Salgado, de São Paulo)