Título: Serra poderá ter problemas legais para pagar dívidas com fornecedores
Autor: César Felício e Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2005, Política, p. A8

O prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB) deverá anunciar ainda esta semana a fórmula pela qual pretende pagar os fornecedores de bens e serviços com débitos não quitados pela administração da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT). O principal desafio da equipe do tucano é encontrar um mecanismo que permita o pagamento de R$ 278 milhões referentes a compromissos que não foram empenhados no Orçamento passado. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) limita a margem de negociação, colocando os credores sob risco. Em seu artigo 37, inciso IV, a lei estabelece que se equipara a operações de crédito e está vedada a "assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços". Em relação aos empenhos cancelados por Marta, não há problema, porque houve a autorização orçamentária no exercício anterior, mas, em tese, o dispositivo poderia enquadrar como um crime o pagamento de uma dívida em relação à qual não houve empenho da administração anterior. Os especialistas em contas públicas se dividem. "Se o Serra pagar, vai ter problemas com a lei. O empenho é a essência da autorização orçamentária. Deixar de pagar, para o administrador público, às vezes é muito mais fácil do que pagar", disse o economista Raul Velloso. Para outro especialista, Amir Khair, "caso a gestão de Serra reconheça que um serviço sem empenho foi prestado, pode contabilizar como despesa de exercícios anteriores". Ambos concordam em um ponto: seja qual for a solução encontrada por Serra, o procedimento da administração anterior em cancelar empenhos por serviços já prestados ou sequer fazer os empenhos não tem punição legal. "Pela LRF, o administrador corre mais riscos se manter os empenhos que não pagou e inscrevê-los como restos a pagar. A lei cria um estímulo para que não se reconheça os empenhos", disse Velloso. "O que fica em jogo é a imagem da gestão anterior, que piora. Não conheço sanções específicas para punir isso", concorda Khair. Hoje, o secretário municipal de Finanças, Mauro Ricardo Machado Costa, e o secretário de Planejamento, Francisco Luna, devem conceder entrevista coletiva para detalhar a situação financeira da prefeitura. Amanhã, em audiência pública com fornecedores, a solução para as pendências deve ser apresentada e o decreto sobre o fluxo orçamentário da administração municipal, que irá detalhar o contingenciamento das despesas, ser publicado. Serra disse ontem que a situação é inédita. "Ficou muita, mas muita coisa para pagar, como nunca aconteceu na cidade de São Paulo", disse. Segundo o prefeito, na Pasta da Saúde o governo anterior prorrogou os contratos, empurrando o pagamento das despesas para seu governo. "A despesa feita num ano tem que ser registrada no mesmo ano, não pode ir para o seguinte. No caso da saúde, deixaram um terço daquilo que tinha para vencer em janeiro", reclamou. Depois de citar que funcionários terceirizados da prefeitura na área de Esportes não recebem desde setembro, Serra classificou como " conversa fiada" a nota à imprensa divulgada anteontem por Luiz Carlos Fernandes Afonso, ex-secretário de Finanças de Marta Suplicy, que contesta os números apresentados pela prefeitura. Ontem, foi publicado no Diário Oficial o decreto de programação orçamentária, que possibilita a contratação de novos empenhos. O decreto determina regras rígidas de conduta para o secretariado. "Sem dúvida esta dívida vai dificultar a vida da prefeitura. Mas nós vamos economizar, vamos cortar desperdício.", reconheceu o prefeito. Serra ontem compareceu a uma solenidade para empossar a jogadora de basquete "Magic Paula" na direção do Centro Olímpico de formação de atletas do Ibirapuera. Teve que ouvir queixas de falta de salários dos ex-atletas contratados em regime de cooperativa pelo Centro. Entre eles, o ex-goleiro Félix Mieli Venerando, titular da seleção de futebol campeã na Copa do México, em 1970. "Estamos sem receber setembro, outubro, novembro e dezembro e o salário nem é tão alto assim. É R$ 1,2 mil, com R$ 240 de vale-alimentação", reclamou Félix.