Título: Montadora tenta manter acordo com México
Autor: Landim, Raquel e Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2006, Especial, p. A16

As montadoras estão usando o aumento das importações de veículos feitos no México para convencer o governo daquele país a preservar o acordo automotivo com o Brasil. As empresas aproveitam o dólar barato para importar carros que não vale a pena produzir no Brasil e, com essa estratégia, ganham uma importante carta de barganha nas negociações com os mexicanos, que reclamam que o acordo só favorece os brasileiros. Negociadores dos dois países se reúnem hoje e amanhã na Cidade do México para discutir o acordo, que permite que uma quantidade de veículos seja exportada e importada sem pagar tarifa.

Nos últimos meses, houve uma sucessão de lançamentos no Brasil de modelos trazidos do México. A americana Ford importou o Fusion, a alemã Volkswagen lançou o Jetta, as japonesas Honda e Nissan trouxeram, respectivamente, o Accord e o Sentra. A General Motors está estudando a possibilidade de importar a picape Avalanche. Apesar do pouco tempo de mercado, esses modelos já representam combustível extra para o comércio bilateral.

De janeiro a setembro deste ano, as importações do setor automotivo vindas do México chegaram a US$ 314 milhões, alta de 120% em relação a igual período do ano anterior. Os dados incluem veículos, autopeças e máquinas agrícolas. Esse setor possui um peso importante no comércio entre os dois países. As importações brasileiras de produtos mexicanos chegaram a US$ 1,07 bilhão de janeiro a outubro, alta de 56%. O percentual é bem superior ao aumento de 25% do total das importações brasileiras no período.

Dante Marchiori, diretor de importação, exportação e planejamento de vendas da Ford, diz que a montadora enxergou no Fusion uma boa oportunidade de equilibrar um pouco o comércio com o México. O carro foi lançado no Brasil em abril e a expectativa é fechar 2006 com vendas de 10 mil unidades. O modelo chega ao país por R$ 83 mil, mas, se tivesse de pagar os 35% de imposto de importação, não custaria menos de R$ 110 mil.

O executivo acredita que a chegada de carros mexicanos ao mercado brasileiro ajudará na renegociação do acordo. "A reciprocidade é um vetor importante", diz. Marchiori. Ele admite que, antes da chegada do Fusion, havia um forte desequilíbrio no comércio entre as filiais do México e do Brasil. O país chegou a importar dos mexicanos o Ikon, mas perdeu o interesse pelo veículo com a introdução do Fiesta Sedam. A partir daí, a importação vinda do México se resumia aos motores para o Ecosport.

A exportação, por outro lado, viveu um boom depois do fechamento do acordo em 2003. Com a ajuda da isenção do imposto de importação, a Ford vende para o México os modelos Ka, Corrier, EcoSport, Fiesta Fit e Fiesta Sedan. O país é hoje o seu principal mercado de exportação. Foram embarcados 78 mil veículos em 2005, mas a expectativa é de uma queda para 70 mil este ano devido à valorização do real.

A filial brasileira da Honda importava o modelo Accord dos Estados Unidos. Segundo o gerente geral da área comercial da Honda Automóveis, Alberto Pescumo Filho, a companhia decidiu importar o veículo do México depois da assinatura do acordo com o Brasil. Com o privilégio tributário e o dólar barato, o preço do carro caiu de R$ 105 mil para R$ 84 e as vendas aumentaram 177%, de 985 unidades em 2005 para 1.984 este ano.

A empresa também começou a exportar o modelo Honda Fit para o México a partir do fim de 2005. A expectativa é fechar este ano com venda de 2 mil unidades. A valorização do câmbio não está atrapalhando o negócio, porque o contrato foi fechado já com base no atual nível do dólar. Pescumo Filho diz que a manutenção do acordo com o México é muito importante para a Honda. "O México faz parte da nossa estratégia como fonte de origem e destino de exportação", diz o executivo.

Todos os modelos mexicanos têm em comum características de um tipo de carro que o Brasil deixou de produzir na década de 90, quando as montadoras dirigiram a maior parte dos investimentos no país no desenvolvimento dos carros populares. No México, devido à proximidade com os Estados Unidos, as montadoras ergueram fábricas voltadas para o mercado americano e se especializaram mais em atender esse cliente do que seu próprio mercado interno.

Quando o acordo automotivo com o Brasil foi selado em 2003, as montadoras, que enfrentavam problemas com a alta capacidade instalada, foram agressivas. As empresas enxergaram no México uma réplica do mercado brasileiro. As exportações para o México no setor automotivo saltaram de US$ 1,3 bilhão em 2002 para US$ 2,38 bilhão em 2005. Este ano, as vendas devem recuar um pouco por conta da valorização.

Já as importações de veículos e peças vindas do México patinaram em torno de US$ 150 milhões no período, até a recente alta registrada este ano. Mesmo assim, a balança ainda é muito mais vantajosa para o Brasil. De janeiro a setembro deste ano em relação a igual período de 2005, o saldo do Brasil com o México no setor automotivo recuou 2,6%, para US$ 1,58 bilhão.

Nas negociações do acordo automotivo, o governo mexicano está preocupado com a estratégia da indústria automobilística de usar as fábricas instaladas no Brasil para abastecer o México. Segundo fontes envolvidas na negociação, os mexicanos mostraram que gostariam que as montadoras instalassem mais fábricas, voltadas a atender o mercado local de carros mais populares. As montadoras resistem porque não querem replicar no México investimentos que já fizeram no Brasil. Com o aumento das importações, as empresas tentam convencer os mexicanos a acreditar que o intercâmbio com o Brasil é um bom negócio.