Título: Penhora on line estimula acordo
Autor: Teixeira, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Empenhado desde 2003 na reforma do Poder Judiciário e, especificamente, da execução civil para tornar a cobrança judicial mais eficiente e reduzir o spread bancário, o governo federal pode ver a solução sair do próprio Banco Central (Bacen). A nova versão da penhora on line - o Bacen Jud 2.0 - lançada em dezembro de 2005 está conseguindo finalmente a adesão da Justiça comum, onde são cobradas as dívidas comerciais e financeiras. O último balanço divulgado pelo Banco Central revelou que o número de solicitações feitas pelos tribunais estaduais subiu cerca de 400% entre o fim do ano passado e outubro deste ano, chegando a 43 mil ordens mensais. No restante da Justiça -a federal e a trabalhista - o número de solicitações mensais aumentou 100% ao longo do ano. O Poder Judiciário totalizou um milhão de ordens de penhora on line de contas bancárias para o pagamento de dívidas ao Banco Central até outubro deste ano.

Advogados especializados em ações de cobrança cíveis já identificaram a tendência de adesão dos juízes estaduais à penhora on line e estão começando a mudar procedimentos para se adaptar à nova realidade. O principal resultado, dizem, é o aumento no número de acordos entre credores e devedores e a redução no tempo de duração dos processos. Sob a ameaça de terem as contas bancárias bloqueadas e ficarem sem capital de giro, as empresas com capacidade financeira preferem buscar o credor e tentar uma saída negociada.

A ironia é que a iniciativa do Banco Central não tinha nenhuma pretensão de facilitar a cobrança judicial ou de reduzir spread bancário. O site para bloqueios e transferências judiciais de ativos financeiros foi criado para evitar a chegada diária de quase 500 ofícios em papel de juízes de todo o país, absorvendo dezenas de funcionários do departamento de supervisão e gestão de informação. Até o ano passado o uso do Bacen Jud era praticamente uma exclusividade da Justiça do Trabalho, mas a nova versão lançada em 2005 aprimorou o sistema anterior e conseguiu quebrar resistências dos magistrados da Justiça comum.

O crescimento mais surpreendente do uso da penhora ocorreu na Justiça de São Paulo. Em setembro deste ano a corregedoria do Tribunal de Justiça (TJSP) baixou um provimento tornando obrigatório o uso do sistema on line para emitir ordens de bloqueio ao Banco Central. Até então, apenas 30% dos juízes paulistas estavam cadastrados no Bacen Jud. Segundo a juíza corregedora do TJSP, Cláudia Menge, o provimento gerou uma corrida de juízes ao tribunal para cadastramento, e somente entre setembro e outubro o número de solicitações ao Bacen Jud saltou de 8,7 mil para 15,6 mil - um aumento de 79%.

Um dos sócios responsáveis pelo contencioso de massa do escritório Tozzini Freire Advogados, Celso de Faria Monteiro, diz que a disseminação do Bacen Jud mudou os procedimentos adotados nas ações de cobrança. "A penhora on line é um grande fazedor de acordos", afirma. Segundo o advogado, antes da ordem de bloqueio eletrônica era possível seguir discutindo aspectos acessórios do pedido - como o cálculo dos valores e os índices de correção - já que a penhora recaía sobre bens que não o dinheiro, como imóveis e maquinário, adiando o desfecho da ação. Agora, como a penhora recai sobre dinheiro, esse tipo de discussão se torna economicamente inviável, pois significa imobilizar ativos financeiros. A melhor saída para empresas com capital em caixa é interromper o processo logo depois da fase de conhecimento e chamar a outra parte para uma saída negociada.

Especializado na defesa de inadimplentes bancários, com 200 clientes, o escritório Guedes Associados teve que mudar o prognóstico oferecido aos clientes para uma disputa judicial. Segundo o advogado Marcelo Junqueira, com a disseminação da penhora on line o melhor é fazer um trabalho preventivo do que correr o risco de ver as contas penhoradas pela Justiça. A medida pode ser fatal para as empresas, pois bloqueia recursos destinados a funcionários e fornecedores e pode paralisar os negócios.

Segundo o juiz trabalhista Cláudio Montesso, vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra), na Justiça do Trabalho a chegada do Bacen Jud também trouxe uma tendência semelhante. Sob o risco de verem bloqueado seu capital de giro, no caso de execuções de grande valor, as empresas solventes preferem chamar a outra parte e propor um parcelamento. No caso das disputas financeiras, ele acredita que essa tendência deve ser potencializada, pois os valores são maiores e a negociação pode trazer melhores resultados, abatendo adicionais como multas e juros moratórios.

O sistema deverá dar uma ajuda de peso à reforma da execução civil promovida em 24 de junho deste ano, quando entrou em vigor a Lei de Execução de Títulos Judiciais. A nova legislação unificou as fases de conhecimento e de execução, eliminou brechas para medidas protelatórias e estabeleceu uma multa de 10% para os devedores que não quitam a dívida voluntariamente após a condenação. Advogados observam que a multa de 10% já tem servido com um estímulo a adiantar o pagamento, via acordo.