Título: Nova era da renda fixa
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2006, EU & Investimentos, p. D1

O lucro dos fundos de renda fixa, que investem em papéis pós e prefixados, anda atualmente pari passu com o dos fundos DI, os mais conservadores que investem apenas em títulos pós-fixados. A vantagem da primeira categoria para a segunda em rentabilidade é ligeira, apesar do longo ritmo de cortes da taxa Selic. Neste ano, segundo a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), os renda fixa apresentam ganho médio de 12,90%, até outubro, e os fundos DI lucram 12,74%. Mas essa diferença tenderá a aumentar no futuro, embora nos dois casos os ganhos possam continuar recuando no rastro da Selic.

De forma lenta, algo vai mudar na renda fixa a partir de 2007, diz Marcelo Bonini, diretor de ativos de terceiros da Caixa Econômica Federal. "Ou as pessoas aceitarão a rentabilidade menor ou partirão para fundos novos, mais agressivos." Apesar de a rentabilidade ainda estar colada, ensaia-se uma migração dos DIs para a renda fixa. Os fundos DI já apresentam mais saques do que depósitos neste ano, enquanto as carteiras de renda fixa têm captação de mais de R$ 13 bilhões no período, segundo o site Fortuna.

A necessária migração para o risco maior da renda fixa será dada basicamente por dois caminhos: pela busca crescente de papéis prefixados com vencimento longo ou pela aquisição de mais papéis privados, com juro e risco maiores. "Esse processo é um amadurecimento do mercado para se tornar mais similar ao ambiente de uma economia madura", diz Nuno Almeida, responsável por pesquisa de renda fixa do Unibanco. Nos Estados Unidos, por exemplo, o volume de papéis de renda fixa privados no mercado supera o dos públicos, diz.

A Caixa, uma das gestoras mais conservadoras em renda fixa, começa a fazer experiências para expandir o volume de papéis privados em carteira, que hoje têm presença tímida. Mas esse é um processo que tem de ocorrer com cuidado, diz Bonini. Há poucos meses, por exemplo, a CP Cimento apresentou dificuldades em honrar um título de dívida e fundos sofreram forte oscilação.

A migração maciça dos cotistas das carteiras puramente pós-fixadas para fundos que apliquem em papéis prefixados ocorrerá apenas quando o juro futuro voltar a superar o corrente, ou seja, quando o mercado começar a prever o fim da seqüência de corte da Selic. Só neste momento haverá estímulo para aplicar em papéis prefixados longos, diz Marcelo D'Agosto, sócio do site Fortuna. "Sem isso, essa transição será muitíssimo lenta, pois não haveria razão efetiva para se assumir mais risco em papéis de prazos muito longos."

A nova composição da dívida pública interna também têm alterado a estrutura da carteira dos fundos. Há alguns anos, o Tesouro Nacional vem reduzindo a emissão de Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), papéis pós-fixados que recheiam grande parte dos fundos DI e de renda fixa. Neste ano, o percentual de LFTs na dívida pública caiu dez pontos percentuais, para 39%, diz Paulo Valle, secretário adjunto de dívida pública federal do Tesouro. "O governo vai continuar esse processo, mas não acredito que haverá traumas para o setor."

Os fundos de renda fixa deverão olhar muito para debêntures e CDBs quando buscarem papéis pós-fixados no futuro, diz Almeida, do Unibanco. Por enquanto, com a redução das LFTs, os gestores têm conseguido facilmente adquirir papéis prefixados, como Letras do Tesouro Nacional (LTNs) e, no mercado futuro, transformá-las num ativo pós-fixado. Mas essa operação, chamada "swap", é complexa e depende de outro aplicador que queira aceitar o risco prefixado em troca do juro pós-fixado.

Os especialistas do mercado têm uma única preocupação latente caso venha a ocorrer esta onda rumo ao risco maior: uma crise de grandes proporções, similar à que ocorreu em 2002, às vésperas da eleição presidencial. Naquele momento, a percepção de elevação do risco causou forte oscilação aos papéis do governo e alta volatilidade aos fundos. Se isso ocorrer, o retorno dos aplicadores para para investimentos de menor risco poderia ser rápido e traumático para todos, diz Jorge Alberto Cabral, gestor da Concórdia. "Mas a possibilidade de ocorrer essa crise, dada a maior tranqüilidade do governo em administrar volatilidades com a melhor composição da dívida pública, é mínima", diz ele.

Por esse temor, mesmo que reduzido, o investidor pode esperar que, com a queda dos juros e com os papéis de maior risco, esses fundos diferenciados serão oferecidos de forma mais atenciosa. Nos últimos tempos, não era preciso explicar muito os tipos de fundos aos leigos, pois o risco era baixo e o retorno alto nos fundos DI, diz um gestor. Nesse novo cenário, haverá mais variáveis para quem quiser uma rentabilidade atraente, portanto, serão necessários mais cuidados na distribuição dos fundos. Para o investidor que quiser assumir mais risco prefixado ou de crédito, com mais volatilidade nas cotas dos fundos, será necessário oferecer também mais informação, diz D'Agosto, sócio do Fortuna.

Outra alternativa para os gestores manterem a atratividade dos fundos é cortar as taxas de administração, que consomem parte do lucro dos fundos. No entanto, diferentemente da elevação do nível de risco das carteiras, não há sinal no mercado de que isso venha a ocorrer num horizonte próximo.