Título: Pacote desonera produção e subsidia moradia
Autor: Romero, Cristiano e Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2006, Brasil, p. A3

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou ontem as primeiras medidas para estimular os investimentos do setor privado e acelerar o crescimento da economia. As principais iniciativas são de desoneração do setor produtivo, especialmente dos investimentos em construção civil. O governo decidiu, também, subsidiar as prestações da casa própria para famílias com renda mensal até cinco salários mínimos (R$ 1.750,00). A idéia, que representa uma volta aos incentivos do passado, é subsidiar, com recursos do patrimônio do FGTS, 2/3 da prestação.

Entre renúncia fiscal e subsídios, o pacote anunciado até agora poderá injetar na economia algo entre R$ 19 bilhões e R$ 24 bilhões, o equivalente a pouco mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo Mantega, as medidas divulgadas ontem, acrescidas dos efeitos da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas que entrará em vigor em julho de 2007, provocarão renúncia fiscal, no próximo ano, de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões.

O pacote de estímulo ao crescimento, no entanto, ainda não está completo. Na próxima semana, Mantega levará outras propostas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem, depois de se reunir com Lula e outros ministros no Palácio do Planalto, o ministro anunciou quatro iniciativas aprovadas pelo presidente e outras cinco que ainda estão sendo analisadas.

Em entrevista depois do encontro, Mantega chamou as medidas de "Plano de Desenvolvimento Acelerado", mas não explicou de onde o governo vai tirar recursos para fazer frente à renúncia fiscal estimada. Assim como aconteceu na reunião da semana passada com Lula, novamente o governo não anunciou cortes de despesas correntes para compensar a perda de receita prevista. Mantega assegurou apenas que, apesar da "ousadia" contida nas medidas de ontem e nas que estão por vir, a responsabilidade fiscal será mantida. "Não adianta ter ousadia e arrebentar tudo o que você conquistou ao longo de quatro anos", disse.

Mantega lembrou que pelo menos duas medidas - o subsídio à casa própria e os investimentos dos fundos de infra-estrutura - não dependerão de recursos orçamentários, mas do suposto "superávit" patrimonial do FGTS. "Vamos subsidiar 2/3 da prestação apenas nas novas contratações, nas novas habitações, então, isso estimula o investimento em habitação. É subsídio puro", comentou, acrescentando que a medida deverá ter impacto de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões na economia.

A proposta é polêmica porque técnicos da área econômica questionam a própria existência de superávit nas contas do FGTS. Quando comandava o Tesouro Nacional, Joaquim Levy recusou mais de uma vez a proposta, feita originalmente pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Outra medida, a criação de um fundo de investimento em infra-estrutura, anunciada anteontem, também utilizará recursos - R$ 5 bilhões - desse superávit. Ontem, o governo decidiu isentar, da cobrança do Imposto de Renda e da CSLL, as aplicações dos fundos de investimento.

"O FGTS foi criado para viabilizar a habitação. Ele já coloca subsídio. Não é uma novidade. Em compensação, ele tem fontes de receitas porque metade do patrimônio do Fundo é aplicado em títulos do governo, então, ele tem um rendimento de Selic que é muito elevado. Ele está equilibrado", explicou Mantega. "O patrimônio é de R$ 170 bilhões, dos quais mais da metade está aplicada em títulos públicos. Então, ele tem sustentabilidade garantida. É claro que não faríamos nada que ameaçasse a estabilidade do fundo."

Entre as medidas de desoneração tributária, a mais importante diz respeito à drástica redução de prazo - de 20 a 25 anos para 18 a 24 meses - para que as empresas possam compensar créditos de PIS e Cofins, na compra de insumos para a construção civil. A estratégia do governo é estimular as indústrias a ampliarem suas plantas e a realizarem investimentos. Quer, com isso, incentivar o aumento da taxa de investimento da economia, hoje estabilizada em torno de 20% do PIB, e, com isso, elevar a capacidade produtiva do país. Em tese, isso permitiria aumentar o potencial de crescimento da economia, sem gerar inflação.

"Identificamos que os setores talvez mais dinâmicos nessa retomada do crescimento são os não-comercializáveis. Os comercializáveis, que são os setores que exportam, - o de insumos básicos, por exemplo - estão indo bem. O setor de não-comercializáveis tem grande potencial de crescimento. Nele, estão contidos habitação, saneamento e infra-estrutura. As medidas que estamos desenhando têm como objetivo dar um estímulo particular a esses setores", esclareceu Mantega. "Estamos diminuindo consideravelmente o custo da construção, que é um estímulo direto a investimento e, particularmente, a infra-estrutura. Construção de fábrica, de hidrelétrica, qualquer edifício que sirva para a produção será desonerado."

O plano de desenvolvimento que vem sendo discutido há meses - do qual o conjunto de medidas divulgadas ontem, que ainda serão detalhadas em atos legais de desoneração de impostos, é apenas uma parte - continuará sendo debatido. Nova reunião foi convocada por Lula para terça-feira.

Ontem não se tocou na questão fiscal propriamente dita, com o esperado controle do crescimento do gasto público e demais medidas de contenção de despesas, inclusive de aumentos salariais

A parte do controle do gasto público, informou um dos presentes à reunião, "ainda não está amadurecida". As medidas anunciadas ontem são apenas o pedaço mais fácil do programa econômico de Lula para o segundo mandato, que teve consenso. Não se sabe sequer se ao aprovar a elevação de 0,2% para 0,5% do PIB de verbas para os Projeto Piloto de investimento (PPI), o presidente Lula estará reduzindo o superávit primário de 4,25% do PIB para 3,75% do PIB ou se esse aumento será compensado com cortes em outros gastos.

À noite, em São Paulo, o ministro do Desenvolvimento, Luis Fernando Furlan, disse que o governo estuda mudanças também no Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital por Empresas Exportadoras (Recap), que prevê a suspensão do pagamento de 9,25% de PIS e Cofins na compra de máquinas e equipamentos por empresas que exportem 80% da produção. Segundo o ministro, a queda para 70% já estaria garantida, mas o ministério quer percentual ainda mais baixo. Segundo Furlan, a redução é necessária, porque muitas empresas não conseguem atingir esse nível de exportação no curto prazo. (Colaborou Raquel Landim, de São Paulo)