Título: Crise política limita ganhos com dolarização no Equador
Autor: Uchoa, Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2006, Internacional, p. A11

Em 20 de janeiro de 2000, o Congresso equatoriano fedia a fezes frescas. Escadas e cantos escuros haviam se tornado banheiros coletivos. O prédio, tomado por grupos indígenas que haviam marchado até Quito, não dava conta de tanta gente acampada. Em algumas avenidas pneus queimando soltavam grossas colunas de fumaça negra. No luxuoso shopping center El Jardín, espantosamente funcionando, os poucos clientes circulavam sob a guarda de seguranças portando submetralhadoras e cães rotweilleres. O Exército havia se sublevado parcialmente e um coronel (um horror para os generais, preocupados com a hierarquia militar) assumiu temporariamente o Poder Executivo, decretando o fim do governo do presidente Jamil Mahuad. Um sindicalista indígena assumiu o Legislativo. Nas esquinas, cambistas abanavam bolos de notas de sucre (a moeda local), que vendiam a estrangeiros e compravam a preço de banana podre. O sistema financeiro estava se desmilinguindo. A dívida parecia impagável. Os investimentos sumiram.

Esse foi o cenário do primeiro mês de dolarização no Equador.

Neste domingo, quase sete anos depois, ocorre o segundo turno da eleição presidencial equatoriana numa realidade bem diferente.

As finanças públicas melhoraram e vêm registrando superávits fiscais seguidos; as exportações devem bater o recorde de US$ 10 bilhões no final do ano, graças sobretudo à alta do petróleo; o crescimento do PIB será maior do que o do Brasil, por volta de 4,3%; a inflação não deve passar de 3,3%.

Alvaro Noboa ou Rafael Correa será eleito presidente. O primeiro é bilionário, populista, liberal, pró-TLC (tratado de livre comércio) com os EUA; o segundo é economista, nacionalista, estatista, anti-EUA. Mas ambos defendem manter a dolarização, que bem ou mal trouxe estabilidade econômica.

Apesar de ter trazido estabilidade à economia, avalia-se que a continuada instabilidade política limita outros benefícios que poderiam advir da dolarização, como a redução do custo de crédito e a atração de investimento externo. Além disso, é difícil separar os possíveis ganhos com a dolarização da conjuntura favorável, com alta do petróleo e queda do dólar.

"A dolarização total da economia serve para evitar crises cambiais e no balanço de pagamentos, pois não há a possibilidade de uma depreciação repentina da moeda nem de uma fuga de capitais motivada pelo medo de uma desvalorização", diz Andrew Berg, economista do FMI. "Os benefícios imediatos seriam uma integração maior com os EUA e com a economia global, além do maior atração de investimentos.".

Mas pode o país seguir com bons resultados econômicos em meio a um clima constante de crise política? Afinal, após o domingo, o Equador contará com oito presidentes dez anos. É possível reunir hoje dez ex-presidentes vivos. Com o que será eleito no domingo, dá para montar um time de futebol.

O cientista político Antonio Miranda, da Universidade de Miami, acha que a política não vai deixar a economia "andar em paz". "Como é que ficaria a integração com o mercado americano se Correa ganhar? Ele é contra o TLC", diz, lembrando que 50% das exportações equatorianas vão para os EUA, de onde vêm 22% das importações.

"E a atração de investimentos? Os dois candidatos querem elevar o gasto público com o dinheiro que iria para pagar a dívida. Você investiria no Equador com uma perspectiva dessas?", questiona.

Os desdobramentos já podem ser sentidos. O risco-país do Equador, medido pelo JPMorgan, foi a 534 pontos nesta semana, bem mais do que o dobro do do Brasil. A Fitch Ratings diz que o país, além disso, é por demais dependente da flutuação dos preços do petróleo, principal produto de sua pauta de exportações. Por isso, classifica a dívida equatoriana como CCC+.

Blasco Peñaherrera, que foi vice-presidente do conservador Leon Febres Cordero (1984-88), acha que a instabilidade política só tende a piorar: "Não vejo tranqüilidade em nenhuma perspectiva. Nem com Noboa nem com Correa".

O histórico recente mostra como a instabilidade política não mudou nestes anos desde a dolarização. Aquele coronel revolucionário, Lucio Gutiérrez, já foi eleito presidente pelo voto e derrubado pelo Congresso no ano passado. Hoje ele é considerado um dos vencedores da eleição, pois, apesar de não ter podido participar, elegeu a segunda maior bancada no Congresso (24 das 100 cadeiras).

Noboa terá a seu lado 28 dos próximos congressitas; o partido de Correa não apresentou candidatos, mas ele diz que governará com o apoio popular, após uma Constituinte mudar o sistema político e "refundar" o país.

"Se Correa ganhar, pode ter dois terços do Congresso contra si. O país ficará ingovernável", diz Fernando Crespo, diretor da Associação de Plantadores de Cacau de Guayaquil. Se Noboa vencer, o cenário pode não ser tão diferente.