Título: Mercosul é protecionista, diz vencedor do Nobel
Autor: Robinson Borges
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2005, Especial, p. A12

O cenário econômico mundial para o ano de 2005 não será tão positivo como no ano passado. Uma economia menos vigorosa e um dólar mais fraco devem afetar particularmente o Brasil. Essa é a opinião do economista canadense Robert Mundell, polêmico professor da Universidade Columbia, vencedor do Prêmio Nobel de 1999 e considerado o mentor intelectual do euro. Em entrevista ao Valor, Mundell disse que a combinação do dólar desvalorizado com uma economia desaquecida neste ano deve reduzir o preço das matérias-primas na comparação com o ano passado, comprometendo as exportações do Brasil e impactando negativamente na economia do país. Mas o Brasil não é o único a ser prejudicado pela depreciação do dólar. Para Mundell, o euro está sobrevalorizado e caso a moeda americana continue a cair, instituições financeiras da União Européia deverão intervir para evitar um câmbio muito desfavorável para o desempenho da economia européia. "O dólar alto deixa a Europa numa situação insustentável. Muitas companhias podem não resistir", afirmou. Seu diagnóstico para a queda acentuada do dólar, de 8,2% desde maio, é o déficit de longo prazo em conta corrente dos Estados Unidos, efeito colateral da falta de poupança do país. Mundell, no entanto, observa que a economia americana tem mais força do que a da Europa e a do Japão e que esse panorama ainda torna os Estados Unidos mais atraentes e potentes para investimentos, favorecendo seu crescimento. Mas nem tudo é positivo. O grande nó para a economia americana é a China, país com o qual os Estados Unidos têm o maior déficit comercial. Segundo Mundell, a atual desvalorização do dólar e a pressão dos países industrializados para a depreciação do yuan, a moeda chinesa, não devem melhorar a competitividade americana, como provam, em parte, os números da balança comercial de novembro dos Estados Unidos. Para Mundell, a China é mais competitiva do que os Estados Unidos, sobretudo por causa dos salários mais baixos pagos a seus trabalhadores. "Se houver valorização do yuan, o aumento dos salários será irrisório e não haverá redução na competitividade na comparação com os Estados Unidos, nem diminuição do déficit americano. O pior é que vai aumentar o desemprego na China", comenta. Na entrevista, o vencedor do Prêmio Nobel também criticou o Mercosul por considerá-lo uma "área de livre comércio protecionista em relação ao resto do mundo". A solução ideal para a região seria a criação de um acordo comum de produtividade, segundo o qual a economia em escala da Argentina e do Brasil seria aproveitada para produzir para os dois mercados. "Produtividade é o nome da palavra para os países aumentarem suas rendas", explica. Robert Mundell, de 72 anos, ganhou o Nobel pela Teoria das Zonas Monetárias Ótimas, que propõe a adoção de uma moeda comum para uma zona geográfica - por esse motivo é chamado de "pai do euro". Apesar de respeitado pelas suas propostas ditas ousadas, Mundell também sempre foi um economista controvertido, intelectual e pessoalmente. Chegou a ter os cabelos brancos tão compridos, que alcançavam a altura dos ombros. O economista tornou-se conhecido no cenário internacional da economia ao criar, nos anos 60, o modelo de uma macroeconomia de economias abertas - quando as tarifas e taxas de câmbio ainda davam a tônica das políticas macroeconômicas. Na época, as teorias não levavam em consideração a importação e exportação de bens de consumo, de serviços e de capital. O ponto de vista mais debatido de Mundell, no entanto, diz respeito à defesa da fixação do câmbio. Para o economista, as taxas de câmbio entre as nações devem ser fixas para que todos os países cheguem a uma política econômica homogênea e criem um estado de perfeita "intercomunicação". Nos anos 60, Mundell trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI), foi professor da Universidade de Chicago entre 1966 e 1971, onde foi colega de Milton Friedman. Atualmente, divide-se entre seu palacete na região da Toscana, perto de Siena, na Itália, e sua residência, em Nova York, de onde falou ao Valor, por telefone. Leia a seguir os principais trechos da entrevista. Valor: Qual será o impacto da desvalorização do dólar para a economia mundial, considerando o aumento do déficit americano? Robert Mundell: De fato, o dólar está num ponto fraco atualmente porque há uma preocupação real com o grande déficit em conta corrente, já de longo prazo, dos Estados Unidos, que também é resultado da falta de poupança. Mas há ainda um outro aspecto, a fragilidade da recuperação econômica americana juntamente com uma política monetária frouxa. Mas não acho que a situação vá piorar. O crescimento dos EUA elevaria a taxa de câmbio do dólar frente ao euro, certamente. O euro está sobrevalorizado em relação ao dólar e vai cair, mesmo que tenha de ser por meio de intervenções do Banco Central da União Européia. O dólar alto deixa a Europa numa situação insustentável. Muitas companhias podem não resistir. Valor: O desempenho econômico do Brasil no ano passado foi bastante positivo. Muitos creditam essa posição ao cenário externo. Qual é a sua perspectiva sobre a economia mundial em 2005 e como ela deve afetar a economia do Brasil? Mundell: A demanda está enfraquecendo e o preço das matérias-primas não estará tão alto. Isso pode comprometer a economia do Brasil, pois o Brasil é um grande exportador de produtos agrícolas. Eu aguardo com ansiedade um crescimento da economia dos Estados Unidos, que ainda está mais vigorosa do que a da Europa e a do Japão. Mas não sou tão otimista sobre 2005, como estava em 2004. Valor: O sr. faz parte de um grupo de conselheiros do governo chinês para sua política cambial. Acha que o yuan, a moeda chinesa, deve continuar sendo administrada?

Duvido que o Mercosul seja benéfico para o comércio exterior brasileiro. Ele pode ser bom para a política''

Mundell: Para a maioria dos países a melhor coisa a fazer, se eles puderem fazer, é fixar uma taxa cambial. Isso é uma orientação para a política macroeconômica, dá uma noção mais regular da taxa de inflação de acordo com a âncora cambial e permite um equilíbrio em conta corrente. Na China os preços estão mais baixos do que em 1997. Há uma deflação. Seria completamente errado valorizar sua moeda. A China tem uma moeda inconversível para a conta de capital. Não é uma boa idéia para os países com moeda inconversível aumentar seu valor. Se o controle do câmbio for alterado, haverá uma grande demanda para o dólar. Valor: Mas não há uma pressão dos países desenvolvidos para a apreciação do yuan? Mundell: Há uma inundação de capital na China porque o G-7 está pressionando o país a valorizar o yuan e os bancos estão dizendo que o governo vai, de fato, valorizar. Mas eu não vejo isso. A China está numa boa posição. Antes de tudo, ela é mais competitiva por causa dos salários mais baixos pagos a seus trabalhadores. Se houver valorização do yuan, o aumento dos salários será irrisório e não vai reduzir a competitividade na comparação com os Estados Unidos nem o déficit americano. O pior é que vai aumentar o desemprego na China. Valor: No Brasil, há duas grandes tendências de modelos de economia. De um lado, está o grupo que defende taxa básica de juros alta e inflação controlada e, de outro, aqueles que avaliam que uma inflação um pouco maior, taxa básica de juros um pouco menor e maior crescimento é a saída. Qual é sua posição sobre esses modelos? Mundell: Não reconheço esses dois grupos. Acho que há centenas de linhas de economistas. Mas a maioria das pessoas com as quais eu converso no Brasil é contra inflação e a favor de manter a economia e o dólar, em termos do preço americano, estável. Isso deve acontecer em relação ao euro também. Essa é a meta não só do Brasil, mas de todos os países: manter a estabilidade dos preços e da moeda. Valor: Mas qual é sua opinião sobre as altas taxas de juros praticadas pelo Banco Central do Brasil? O país tem a segunda maior taxa de juros do mundo. Mundell: As taxas de juros são um ótimo guia da política monetária dos países. No Japão, o juro é de 1%, com o nível dos preços em queda. No Brasil, os juros são mais altos, mas os preços continuam subindo. O importante é qual será a atitude do país em relação ao futuro da moeda. Os japoneses tiveram uma posição agressiva na valorização do iene em relação ao dólar e ao euro. E essa é a razão pela qual eles têm juros baixos. As pessoas no Brasil têm uma baixa expectativa de valorização do real frente ao dólar e em outras moedas. Valor: O que o sr. diria sobre os acordos de livre comércio. Já se manifestou a favor de uma agressividade maior do Brasil nesse aspecto. Mundell: Bem, acho que o Mercosul, por exemplo, não é um acordo de livre comércio, de fato. Ele não faz muito sentido para negociações externas. O Mercosul é uma área de livre comércio protecionista em relação ao resto do mundo. Não é um sistema que funciona muito bem. Eu sou muito mais a favor de uma área mais diversa de comércio do que uma área especificamente criada. Valor: Do ponto de vista do Brasil, o sr. acha que o Mercosul não tem aspectos positivos para o comércio exterior? Mundell: Duvido que seja benéfico para o comércio exterior brasileiro. Ele pode ser bom para a política brasileira, pois o Brasil forma um bloco ainda maior incluindo a Argentina. Isso o torna mais poderoso e significante na esfera global. Vejo a questão do livre comércio na América com o Brasil e a Argentina criando uma zona industrial comum no Sul. Acho que isso é muito positivo. Valor: Mas o sr. chamaria essa área produtiva de livre comércio? Mundell: Não acho que seja de livre comércio. Esse acordo seria o de unir a economia em escala da Argentina e do Brasil, por exemplo, e todos venderem uns para os outros. Isso amplia o mercado. No longo prazo, o custo do crescimento econômico é muito alto, porque o patamar das tarifas aumenta, especialmente em bens de capital, como computadores. O Brasil tem 30% de tarifação na área de computadores. Se isso for verdade, e todos os países na região tiverem de manter as tarifas neste patamar, então eles não estão participando da grande revolução do século 21, que é a revolução tecnológica. Produtividade é o nome da palavra para os países aumentarem suas rendas. A questão não é quem produz os computadores, mas quem os usa. Valor: E qual é sua opinião sobre a Área de Livre Comércio das Américas ( Alca). Qual deve ser a posição do Brasil na negociação do acordo? Mundell: O Brasil tem um bom argumento de que os países industrializados não são tão generosos para reduzir os subsídios. Mas não acho que seja uma questão de poder, mas de negociação. Acho que há muitas e muitas formas de a economia brasileira encontrar complementaridade com a americana. Há uma outra situação, agora. O México tem uma área de livre comércio com os Estados Unidos e o Canadá e com o Mercado Comum Europeu. O contingente latino não é tão poderoso para barganhar contra os americanos sem a presença do México na zona. Mas no longo prazo, a indústria brasileira vai melhorar, com mais livre comércio, com um mercado que gasta mais. E terá poucos pontos para ser protecionistas. É a situação da China. Valor: O sr. acha que o Brasil deveria seguir o modelo chinês no médio prazo? Mundell: Sim. A China é mais protecionista do que os Estados Unidos, claro, ela tem um superávit muito vigoroso. Mas o país está num forte movimento de abertura. A China é um país muito mais pobre em renda per capita do que o Brasil. Mas tem uma extraordinária força de exportação. O padrão brasileiro hoje é muito ligado à substituição de importação. Para a China, o modelo é o de atrair investimento direto estrangeiro e a promoção de exportação. O investimento direto não traz apenas dinheiro, mas amplia mercado e tecnologia.