Título: Lula decide confirmar Mantega na Fazenda
Autor: Costa, Raymundo e Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2006, Política, p. A7

Considerando-se a verdadeira "âncora forte" da política econômica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está decidido a confirmar o ministro Guido Mantega na Fazenda. A tendência é que os outros dois integrantes da equipe, Henrique Meirelles (Banco Central) e Paulo Bernardo (Planejamento), também sejam mantidos no cargo, mas, a exemplo de Guido, nenhum dos dois foi convidado formalmente pelo presidente da República.

"Guido fica, mas vai ser testado na vida real", segundo um dos integrantes do grupo que ajuda Lula a montar o novo governo. O presidente espera que o ministro, a exemplo de seu antecessor Antonio Palocci, negocie com o Congresso uma agenda de reformas duras, que não transpareceu durante a campanha eleitoral, que ele julga fundamentais para abrir espaços para um crescimento econômico de 5% ao ano a partir de 2007. A contenção do gasto público, que era a bandeira de seu adversário Geraldo Alckmin, por exemplo.

"O governo vai ter que cortar gastos", disse ao Valor o auxiliar graduado do presidente. "Ou ativamente ou passivamente, não deixando aumentar". Nas conversas que mantém no Planalto, Lula tem dito que quer fazer o país crescer, mas "sem pirotecnias". E demonstra que está disposto a enfrentar as pressões por aumento de gastos que desde já se armam para 2007. A renegociação da dívida dos Estados com a União seria um dos exemplos.

Este é um dos principais embates do que o governo avalia que será "o ano do jogo de braço" - 2007. Os Estados querem renegociar para reduzir o percentual de comprometimento de suas receitas correntes líquidas com o pagamento da dívida. Hoje o percentual de referência é de 13%, mas há casos em que esse número é maior, dependendo das particularidades de cada contrato de renegociação. Na campanha, o presidente acenou com a possibilidade de revisão, mais claramente em relação à governadora eleita do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, um dos Estados em pior situação fiscal. Reservadamente, no entanto, tem afirmado que não cederá às pressões. "Ele não vai fazer porque ele sabe que não pode", diz um auxiliar, "pois estaria convencido de que "onde passa boi, passa boiada".

O leque das pressões que o presidente já enfrenta e que vão trazer reflexos nas contas públicas em 2007 - " o ano do jogo (queda) de braço" - é amplo. Inclui as reivindicações de aumento dos salários do Judiciário, Ministério Público e do Congresso. Os aumentos dos servidores, com os quais Lula foi generoso em 2006, a partir de agora serão contidos. A idéia que se forma no governo é de não conceder nada mais do que a variação da inflação, medida pelo IPCA.

A agenda que Lula prepara para o Congresso e os partidos com os quais articula um governo de coalizão é indigesta: redução do gasto corrente em relação ao PIB nos próximos dez anos; regulamentação da emenda 29, que trata das verbas para a saúde, para desindexá-la da variação nominal do PIB, e cujo lobby no Congresso é um dos mais poderosos; o estabelecimento de um novo teto para os gastos com a folha de salários dos três poderes, entre outras medidas.

Em contrapartida a essas que são providências impopulares, o presidente pode oferecer uma leque de desonerações de impostos, feitas de modo seletivo, para setores que ajudem no crescimento da economia, como os investimentos e as exportações, e mais investimentos públicos em obras de infra-estrutura, para, como deseja Lula, desobstruir os caminhos para um desenvolvimento sustentado do país nos próximos anos. Só com a elevação dos PPIs - projetos piloto de investimentos - de 0,2% para 0,5% do PIB, o governo poderá adicionar mais R$ 6,8 bilhões no orçamento de investimentos de 2007. Mas essa não é uma medida simples. Ela significará, de fato, um menor esforço fiscal já que os gastos com esses projetos não são considerados para efeito de cálculo das despesas públicas e, portanto, não entram na conta do superávit primário. Dependerá, assim, da aceitação dos agentes econômicos, já que se for entendida como uma flexibilidade fiscal, os reflexos podem se apresentar na elevação das taxas de juros pelo próprio mercado.

Este será o grande teste de Guido Mantega, que terá que negociar o conjunto de medidas e projetos junto ao Congresso. A expectativa de Lula é que o ministro demonstre a mesma habilidade que teve Palocci no trato de questões politicamente difíceis com o Congresso em geral, e com o PT em particular. Essas serão as batalhas mais duras. Mas nem o fato de o presidente estar cercado de "desenvolvimentistas" no Palácio do Planalto - além de Mantega, os ministros Tarso Genro (Relações Institucionais) e Dilma Roussef (Casa Civil) - leva os interlocutores de Lula a temer que ele mude o rumo da política econômica. O presidente é bem mais conservador do a maioria dos seus ministros.

No jogo de pressões, segundo freqüentadores assíduos do 3º andar do Palácio do Planalto, Lula "resiste, testa as pressões ali dentro". Um ministro que acompanha o embate contou ao Valor que já esteve muito mais preocupado com o fato de o entorno do presidente tivesse reunido "muita gente desenvolvimentista". Hoje, no entanto, está convencido de que Lula é o que diz ser: a verdadeira âncora da economia. Os recados seriam muito claros. Um bom exemplo: no dia em que Tarso Genro decretou o fim da "era Palocci", Lula, em plena festa da reeleição "deu uma pisa" no auxiliar. E mandou Dilma Roussef "repor as coisas imediatamente", o que ela cumpriu à risca em uma entrevista concedida já na manhã do da seguinte. "Ele está no controle da situação", diz um auxiliar próximo de Lula. Prova disso teria sido a recomendação aos ministros da área econômica que lhe levaram uma proposta de política fiscal para os próximos anos, na semana passada, que voltassem para casa e refizessem suas idéias. Lula queria também medidas para alavancar o crescimento.

"Lula vai encarar sim. Vai fazer o que tem que fazer", assegura um ministro independente em relação às alas "desenvolvimentista" e "fiscalista" do governo. "Ele tem as intuições absolutamente corretas. Sabe muito bem essa conta de português de que não pode gastar mais do que ganha". Mas o presidente quer metas de corte e de melhoria na qualidade de gastos. "Ele tem, por outro lado, uma visão muito aguda do bem que foi feito com a distribuição de renda. Acha que isso é um valor por si mesmo. E que isso (cortar ou suprimir programas da rede de proteção social, como o Bolsa Família) pode até atrapalhar o crescimento, que é movido também pelo aumento do consumo de bens mais populares". O presidente, porém, não pretende sancionar "pirotecnias" nessa área, como a aprovação do 13° salário para o Bolsa Família, aprovado anteontem no parlamento.

É para enfrentar o "ano do jogo de braço" que o governo se esforça para "governar com uma maioria sólida no Congresso". Daí a tentativa de estabelecer uma relação institucional com os partidos e evitar as "vicissitudes" do passado. Tarso Genro faz o "secretariado" das negociações, mas também ajuda a formular. É dele a idéia de deixar a nomeação de alguns ministros para o próximo ano, coincidindo com a posse do novo Congresso. Ao passar ao largo da negociação do varejo, o governo acredita que parte "de um patamar mais elevado" na relação com os congressistas. "Fica mais fácil", diz um ministro. "Se em 2003 tivesse feito aquele acordo com o PMDB, você pelo menos adiaria a necessidade de (negociar no) varejo, que surgiu imediatamente", diz. A idéia é que os partidos que vão para o governo sejam co-responsáveis pela política desse governo.

"O Lula hoje é um sujeito que está com o governo na mão, né? Ele pode errar mas ele vai errar por comissão, não por omissão. Já que vai fazer um governo de coalizão desde agora, ele vai responsabilizar os partidos por suas bancadas", diz esse ministro.

Se o presidente está decidido a manter Guido Mantega, embora ainda não o tenha confirmado nem nas conversas do grupo que o ajuda na montagem do governo - "ele ouve e às vezes responde com outra pergunta", diz um dos integrantes do grupo -, a tendência é que Henrique Meirelles e Paulo Bernardo também mantenham a presidência do Banco Central (com a mudança de diretores) e o Ministério do Planejamento, respectivamente.

É a hipótese mais provável, muito embora um auxiliar de Lula descreva a relação Mantega Meirelles como uma "relação de não-amor". O curioso é que Guido Mantega, ao final da eleição, parecia um candidato mais fraco a permanecer no posto. Virou o jogo e hoje já se admite no Planalto que é até possível substituir Meirelles por outro nome do mercado. A força de Guido, segundo um ministro, provém do próprio Lula - "o presidente tem uma relação muito próxima dele". Mantida ou não a trinca, uma palavra tem e continuará tendo força no futuro governo, em relação à economia - o deputado Delfim Netto (PMDB-SP), que não deve ir para o ministério, mas se tornará um conselheiro freqüente de Lula.