Título: Mesmo sem acordos, Brasil ganha dos EUA na América
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2006, Especial, p. A14

O Brasil tem conseguido frustrar os temores de que passaria a perder mercados na América do Sul, com o colapso das negociações para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a disseminação de acordos comerciais dos Estados Unidos com os países do continente. As exportações brasileiras vêm crescendo mais aceleradamente que as americanas em oito dos onze países vizinhos. Os EUA têm aumentado mais seu mercado no Suriname (um mercado de mínima importância para o Brasil), no Chile e no Uruguai.

No Chile, a perda de ritmo no aumento das exportações brasileiras pode ser creditada em sua maior parte à crise provocada pelo surto de febre aftosa, que levou o governo chileno a fechar as fronteiras para as vendas dos pecuaristas brasileiros. A medida bloqueou o quarto maior mercado internacional de carne bovina para o Brasil, e baixou a zero, neste ano, as exportações, que haviam passado de US$ 140 milhões em 2005 e de US$ 190 milhões em 2004. A não repetição, em 2006, das grandes vendas de carrocerias de ônibus também influiu no resultado.

Foi visível, porém, o avanço das vendas americanas, beneficiadas por um acordo de livre comércio firmado em 2002 com os chilenos. Em 2002, as vendas dos EUA ao Chile aumentaram apenas 4%; em 2003, 33%; e, em 2004, 43%. Nesse mesmo período, porém, as vendas brasileiras também cresceram, embaladas pelo crescimento chileno: quase 29% em 2003, 35% em 2004 e pouco menos de 42% em 2005. Em 2006, até setembro, enquanto as vendas brasileiras, abaladas pelo embargo à carne, cresceram só 13% (pouco menos de US$ 350 milhões), as exportações americanas ao país aumentaram 24%, quase US$ 1 bilhão.

"Podemos ver que ainda não houve desvio de comércio contra o Brasil e em favor dos Estados Unidos nos mercados da América do Sul, especialmente de manufaturados, como tratores", confirma o diretor do departamento de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti. "Mas isso não significa que não venha a ocorrer com a evolução dos acordos dos EUA com Peru, Colômbia, Equador, e o interesse do Uruguai".

Para Giannetti, os indicadores recomendam "vigilância" por parte dos exportadores brasileiros, já que há um intervalo entre a assinatura dos acordos e a montagem de estruturas de exportação entre os países. Os acordos de livre comércio dos EUA com os países andinos ainda aguardam aprovação pelo Congresso americano. "Não estou tranqüilo em relação ao futuro; com os acordos e a desvalorização do dólar, quem exporta a partir dos Estados Unidos ficou mais competitivo".

Entre 2002 e 2005, as vendas brasileiras aos vizinhos sul-americanos aumentaram 183%, e as americanas, 65%. Em termos absolutos, os EUA, que sempre venderam muito mais que o Brasil na maioria dos países da região, aumentaram suas exportações em US$ 5,8 bilhões, e o Brasil, em US$ 5,5 bilhões. Em 2006, porém, enquanto os brasileiros seguiram em ritmo acelerado com as exportações aos andinos, os EUA aumentaram mais fortemente as vendas aos dois principais sócios do Brasil no Mercosul, Uruguai e Argentina. O aumento das vendas do Brasil para a dupla de vizinhos chegou a 23,52%, pouco abaixo da alta das exportações americanas: 23,78%.

No Uruguai, o aumento das vendas do Brasil e EUA foi quase igual em termos absolutos, cerca de US$ 100 milhões - mas isso representou crescimento de quase 16% nas exportações brasileiras àquele país e de 35% nas vendas americanas. Há sinais de que essa tendência se alterou em outubro, quando a alta das vendas de ambos os países ficou em pouco mais de 13%, com ligeira vantagem para o Brasil.

Na prática, além de indicar a perda de competitividade dos produtos brasileiros valorizados em dólar, o mau desempenho do Brasil no país vizinho reflete o esgotamento daquele mercado para as vendas tradicionais do Brasil e a prioridade concedida pelo governo à meta de reduzir o superávit brasileiro com aquele país, em torno de US$ 500 milhões. Na Argentina, com quem o Brasil vem acumulando saldos recordes, o ritmo de aumento das vendas dos EUA também indica uma maior ocupação do mercado pelos americanos, ainda que longe de ameaçar as empresas brasileiras.

"O fato de o Brasil ter com os países da região o Convênio de Crédito Recíproco (CCR, uma espécie de câmara de compensação das transações em dólar, entre os Bancos Centrais desses países) cria uma vantagem ao exportador brasileiro", comenta o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, que diz não detectar, até agora, nenhuma queixa de empresários em relação à competição americana. Para analistas, os chineses, especialmente no Chile, ainda são a maior ameaça aos interesses brasileiros na região.