Título: Eficiência ou morte
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 04/01/2011, Mundo, p. 18

cuba Regime comunista completa 52 anos com o dilema de "atualizar" o modelo econômico para evitar a falência no estilo soviético

Impulsionar a economia por meio de reformas radicais, mas sem ameaçar o socialismo. O governo de Raúl Castro comemorou o 52º aniversário da Revolução Cubana, no último sábado, ciente do enorme desafio que terá pela frente em 2011. O novo plano prevê um crescimento de 3,1% para o Produto Interno Bruto (PIB), acima dos 2,1% registrados em 2010. Em 18 de dezembro, o presidente cubano demonstrou preocupação com o futuro da ilha. ¿Ou retificamos (os erros da revolução) ou acabará o prazo para seguirmos à margem do precipício. Afundamos e afundaremos o esforço de uma geração inteira¿, declarou Raúl ao fechar a última sessão anual da Assembleia Nacional. Ricardo Alarcón, presidente do Legislativo, também usou um tom alarmista. ¿A etapa que nosso país enfrenta e a realidade que vive o mundo nos obrigam a economizar recursos, a guardar, a gerir melhor o que temos¿, afirmou, em entrevista ao jornal Juventud Rebelde.

Sebastián Arcos Cazabon, preso político entre 1982 e 1983, diz que a situação econômica em Cuba piora a cada dia, ¿resultado de um modelo insustentável em qualquer parte do planeta¿. Raúl Castro, analisa Cazabón, ¿tenta justificar medidas `duras¿ ante os olhos daqueles que ainda creem que o regime é socialista¿. Ele refuta essa crença e vê nas recentes transformações uma ¿manipulação egoísta¿ do poder. ¿Ao romper com um princípio marxista básico ¿ o de que os governados renunciam a suas liberdades individuais em troca de segurança econômica ¿, Raúl conseguiu erodir a base popular do regime, tornando-o mais impopular entre os seguidores da esquerda internacional¿, comenta o hoje ativista dos direitos humanos e bacharel em relações internacionais. Para ele, os cubanos cada vez mais se convencem de que o regime está interessado apenas na própria sobrevivência, e não no bem-estar coletivo.

Cazabón acredita que o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev já havia demonstrado a impossibilidade de transformar o comunismo. ¿Se as reformas vão além da parte cosmética, o regime cai¿, explica. Segundo ele, Raúl está num dilema. ¿Se não realizar as mudanças, o regime seguirá se decompondo, econômica e ideologicamente. Se a transformação for radical, o regime desmoronará¿, observa. Para 2011, ele aposta em alterações rotineiras, gestos que concentrem o poder em poucos favorecidos e deixem a população sem progresso econômico nem liberdades civis.

Racionamento Além de eliminar 500 mil postos de trabalho no serviço público até março, o regime declarou o fim da libreta (cartão) de racionamento. Com ela, cada cidadão cubano pode adquirir mensalmente, a preço subsidiado, 2,25kg de arroz, 1,4kg de açúcar, 1,8kg de grãos, 200g de azeite, 112g de café, 10 ovos e 450g de sal refinado. Em 1º de janeiro, uma resolução publicada no Diário Oficial de Cuba tirou da lista o sabonete e o creme dental, que passam a ser vendidos no comércio. O cubano Antonio Morales-Pita, professor de economia na DePaul University (em Chicago), acredita que a única maneira de salvar a economia da ilha passa por uma abertura incondicional à economia de mercado, pelo respeito aos direitos humanos e pela coexistência com partidos adversários do regime.

O discurso do presidente na Assembleia Nacional não lhe causou surpresa. ¿Quando o senhor Raúl Castro fala em transformar conceitos errôneos e insustentáveis, ele se refere às barbaridades econômicas de Fidel¿, explica. ¿Se Raúl deixar que o povo se expresse livremente e abrir as portas um partido não comunista, o regime perecerá¿, prevê Morales-Pita. O especialista vai além. Aposta que a fome e o desastre econômico levados a Cuba pela ¿suposta revolução¿ são ¿mais que suficientes¿ para derrubar o regime. ¿A única razão pela qual a população não se levantou contra a ditadura foi o enorme nível de repressão mantido pelos Castro desde 1959¿, analisa.

Falando ao Correio por telefone, o jornalista e dissidente cubano Guillermo Fariñas ¿ conhecido pela greve de fome de 134 dias em 2010 ¿ afirmou ao Correio que Raúl realmente está interessado em fazer as mudanças. ¿Mas essas alterações são apenas no campo econômico, trata-se de pequenas reformas para dar a impressão ao mundo de que há um gesto de abertura¿, comenta. ¿O regime é socialista e manterá a opressão sobre as liberdades civis e os direitos humanos¿, acrescenta.

Recorde positivo na mortalidade infantil Pelos dados oficiais, Cuba fechou 2010 com uma taxa de mortalidade infantil de 4,5 por mil nascidos vivos, a mais baixa de sua história e a melhor das Américas, segundo publicou ontem o jornal oficial Granma. O texto festeja o índice ¿sem precedentes¿ como a ¿confirmação do colossal esforço de um país pobre e criminosamente bloqueado (pelos Estados Unidos)¿. Cuba dedica mais de 60% de seu orçamento à educação e à saúde, que são gratuitos desde a vitória da revolução de 1959.

Entrevista-Yoani SÁnchez ¿Vivemos sob um latifúndio de clã¿ Yoani Sánchez tornou-se símbolo da oposição cubana graças a seu blog, Generación Y, e ao microblog Twitter, pelos quais denuncia as violações aos direitos humanos. Graduada em filologia pela Universidade de Havana, ela migrou com a família para a Suíça, em 2002. Dois anos mais tarde, decidiu retornar a Cuba e conquistar a tão sonhada liberdade. Em 2008, foi impedida de viajar para receber o Prêmio Ortega y Gasset de Jornalismo, concedido pelo governo da Espanha. Aos 34 anos, Yoani não tem falsas ilusões quanto a uma abertura do regime comunista. ¿Nos lugares onde as reformulações do sistema tenderam à abertura, o socialismo terminou por se desfazer como uma porção de sal sob a chuva¿, declarou. De acordo com ela, a forma centralizada e os ¿arranques personalistas¿ de Fidel Castro tornam o sistema muito menos propenso a transformações.

Raúl Castro alertou que Cuba tem duas opções: se transformar ou afundar a revolução. De acordo com ele, é preciso mudar conceitos ¿errôneos e insustentáveis¿ do socialismo¿ A primeira vez que o general Raúl Castro falou de mudanças estruturais foi em 26 de julho de 2007. Mas elas se restringiam à agricultura. Pouco a pouco, de maneira gradual e progressiva, ele tem ampliado sua intenção de mudança a outros ramos. Durante a última sessão do parlamento, ficou evidente que as transformações devem tocar todas as esferas da economia. Com alguma sutileza dissimulada, ele sugeriu que deverá modificar a maneira do Partido Comunista de fazer política. Essa linguagem foi cunhada de francamente revisionista nas primeiras quatro décadas da revolução. Raúl foi o primeiro a desqualificar e condenar quem dissesse algo semelhante, em mais de uma ocasião. Nosso questionamento agora é sobre o que acontecerá com esse discurso. Qual será o próximo erro a confessar? Ninguém sabe, e isso é perigoso, porque os que têm de interpretar a mensagem nas instâncias intermediárias ¿ que colocam em prática as orientações vindas de cima ¿ não terão como determinar por qual tendência devem se inclinar.

O que você espera para 2011? É possível uma reformulação do socialismo, rumo a uma abertura? A palavra socialismo está parecendo a palavra da moda, que muda de acordo com a época e o país. Uma coisa aprendemos: nos lugares onde as reformulações do sistema tenderam à abertura, o socialismo terminou por se desfazer como uma porção de sal sob a chuva. O socialismo, como o entendia Lênin, só sobrevive sob a ditadura do proletariado, que, como sabemos, se exerce também sobre o proletariado. Em 2011, o Partido Comunista terá dois eventos importantes: o 4º Congresso e a 1ª Conferência Nacional. Ambos têm o compromisso de perfilar isso que se chama de ¿novo modelo¿. Se por trás da tramoia visível está se tramando uma verdadeira mudança, ou se será mais do mesmo com nova maquiagem, ninguém sabe. O sistema cubano se baseia há tempos no centralismo, nos arranques personalistas de um homem, na estatização da economia e na censura férrea à imprensa. Qualquer tentativa de flexibilizar esses pilares do controle pode colocar em risco a continuidade da ordem atual das coisas.

Como a economia e a sociedade cubana reagirão à criação de empregos privados e à demissão de funcionários públicos? Durante décadas, a quase totalidade dos trabalhadores dependeu de um vínculo com o Estado. Na década de 1990, autorizou-se o trabalho por conta própria, o aluguel de habitações e a abertura de cafeterias e restaurantes privados. Mas a lua de mel durou pouco. As restrições tornaram-se mais rígidas, um pacote de inspeções e controles desmedidos asfixiou essas iniciativas e a linguagem política continuou rotulando os empreendedores com epítetos negativos ¿ como ¿novos ricos¿ e ¿aspirantes a integrar a pequena burguesia¿. Agora, anunciam que o partido e o governo devem ¿facilitar sua gestão, e não causar estigmas nem prejuízos para eles, muito menos demonizá-los¿. Isso define, pela primeira vez, um compromisso sério com o que poderia ser o germe de uma classe média emergente. As consequências são imprevisíveis. Uma delas pode ser a emancipação econômica de pessoas que têm um pensamento político divergente. Outra pode ser a reciclagem de uma casta que até agora baseava sua influência no exercício do poder político, e que agora, em virtude de seus contatos com os órgãos do governo, dividirá o bolo.

É possível uma Cuba socialista, muito mais democrática e respeitadora dos direitos humanos? Impor a Cuba uma escolha entre socialismo e capitalismo é criar um falso dilema, ao qual as autoridades de nosso país têm desejado nos prender. Uma das discussões mais frequentes é se a essa realidade pode-se aplicar a alcunha de ¿socialista¿. Para minha geração, criada entre livros de marxismo, manuais de comunismo científico e textos de Lênin, é difícil identificar esse modelo com o que é apresentado nessas obras. Quando alguém me pergunta a respeito, digo que habitamos sob um capitalismo de Estado ou ¿ se podemos chamá-lo assim ¿ sob um latifúndio de partido, de clã familiar. Para caracterizar uma sociedade como socialista, os meios de produção devem estar nas mãos dos trabalhadores. No entanto, ao meu redor, o que percebo é um Estado ¿oniproprietário¿, dono das máquinas, das indústrias, da infraestrutura de uma nação e de todas as decisões tomadas sobre ela. Um patrão que paga baixíssimos salários e exige de seus empregados o aplauso e a incondicionalidade ideológica. No dia em que Cuba respeitar de modo autêntico todos os direitos humanos, no entorno de uma sociedade realmente democrática, será impossível sustentar um artigo de nossa atual Constituição da República, onde se institui o caráter irrevogável do que nela se chama de ¿sistema socialista¿. (RC)