Título: Soltando as amarras do desenvolvimento econômico
Autor: Augusto, Nelson Rocha
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2006, Opinião, p. A12

Desenvolvimento econômico, objetivamente, é o crescimento significativo e sustentável do emprego e da renda, por um longo período de tempo, com melhora na qualidade de vida da população e ampliação na capacidade competitiva.

O crescimento econômico com desenvolvimento sustentável é um objetivo que deve ser perseguido por toda a sociedade de uma maneira una e incansável. Em uma economia grande e complexa como a brasileira, isto necessariamente requer que se faça muito de tudo, o tempo todo e por todos. Somente assim, a almejada melhora na qualidade de vida de todos os brasileiros passará a ter uma dinâmica crescente.

Infelizmente, no último quarto de século, o Brasil tem padecido de uma série de patologias que o impediu de entrar em uma rota inequívoca de crescimento. Houve vários espasmos de recuperação, porém rapidamente murcharam.

Algumas pré-condições são necessárias e a boa notícia é que grande parte delas já está estabelecida de uma maneira crível.

Hoje não há mais espaço para discussões a respeito dos benefícios de se ter uma inflação sob controle. Os bônus de se viver em um ambiente com estabilidade de preço dos bens e serviços são um legado de toda a sociedade. Com o fim da era inflacionária, o Brasil atingiu, apesar de seus custos, patamar fundamental da preservação do poder de compra e restabelecimento do horizonte de cálculo econômico, condição necessária à normalização do funcionamento do sistema econômico.

Ter mudado substancialmente toda a estrutura do balanço de pagamentos é outra "lição de casa" que já foi realizada. O Estado brasileiro agora é credor em moeda forte e mesmo a dívida externa privada, como percentual da exportação ou do produto, é bastante baixa e em declínio. Em três anos, as exportações brasileiras mais do que dobraram e abriram espaço para um grande incremento nas importações, o que induz à melhora na eficiência da economia. Este ano inclusive as empresas brasileiras deverão investir US$ 10 bilhões no exterior, o que reverterá em lucros e dividendos no futuro. Lenta, mas progressivamente, a economia brasileira vai se abrindo. Isto é, saudável, sustentável e tende a garantir sua competitividade.

A dívida interna brasileira - que no passado gerou receio de calote, motivou vários planos econômicos e grandes distorções no sistema financeiro, elevando sobremaneira o custo do capital graças à voracidade do Estado como tomador de recursos (incapaz de poupar e, consequentemente, de investir) - agora está sob controle e encontra-se decrescente. Embora ainda alta (50% do PIB) pode fechar esta década ao redor de 40% do PIB, com um perfil muito melhor, tanto em termos de prazo médio quanto em sua forma de correção.

Para que esta trajetória permaneça declinante, a carga tributária brasileira permanece extremamente elevada. Isto é reflexo da posição ineficiente que as três esferas de governo têm hoje no Brasil. Ou seja, gasta-se muito pelos serviços que são oferecidos. A melhora no funcionamento da máquina pública, nos três poderes, diga-se de passagem, é uma etapa ainda a ser vencida.

-------------------------------------------------------------------------------- O fim da era inflacionária restabeleceu horizonte de cálculo econômico e levou o Brasil a atingir patamar do poder de compra --------------------------------------------------------------------------------

Além da carga tributária, a estrutura dos impostos é horrível. Requer uma reforma simplificadora urgente para desoneração da produção e do emprego. Tal reforma diminuiria a enorme dissipação de energia imposta, sem necessidade, à uma sociedade que deseja ser mais eficiente para crescer e se desenvolver.

A tão discutida taxa de juros brasileira é fruto de todos estes aspectos abordados anteriormente. Graças à, embora morosa, mas perseverante, melhora nos indicadores macroeconômicos brasileiros, e à conseqüente redução na percepção do risco, a taxa de juros encontra-se em um ciclo declinante. Este ciclo terá continuidade e poderá ser acelerado se avançarmos mais rapidamente nos aspectos fiscais em seu sentido mais amplo: previdência, eficiência no gasto, redução da dívida com melhora no perfil.

No entanto, para acelerarmos o crescimento brasileiro, é necessária a ampliação do investimento, saindo da casa dos atuais 20% do PIB para algo ao redor de 25% do PIB. Ou seja, é preciso ampliar em R$ 100 bilhões por ano. Um desafio e tanto, mas não é preciso esperar.

Enquanto a fundamental e urgente tramitação de todas as reformas (previdenciária, tributária, trabalhista, independência do Banco Central e política) é colocada em marcha, é possível mudar já o ritmo de crescimento. Melhorar a eficiência da gestão da chamada poupança pública vinculada (FAT, FGTS, sistemas S - Sesi, Senac, Senai -, depósitos compulsórios, crédito agrícola obrigatório, etc) e movimentar as parcerias público-privadas são algumas dessas possibilidades. É preciso também haver uma melhor sinergia da poupança pública com a enorme indústria de fundos brasileira. Nos próximos anos esta indústria atingirá a marca de R$ 1 trilhão em recursos administrados, o que certamente redundará em uma enorme expansão do mercado de capitais e do sistema de crédito brasileiro, colaborando de forma decisiva para a redução do custo do capital e o aumento da taxa de investimento.

Como foi dito no início, o desafio é grande e é preciso fazer muito de tudo e por todos. Vale destacar que, sem um investimento maciço de recursos, estabelecendo de fato a educação como prioridade, não se dará o desenvolvimento humano, e sem este, não há o desenvolvimento econômico.

Crescimento, apesar de importante, é efêmero, desenvolvimento é perene. Crescimento é imediatista, desenvolvimento é de longo prazo. Crescimento vem e vai, desenvolvimento cria raízes. Crescimento é meta, desenvolvimento é compromisso.

Nelson Rocha Augusto é economista formado pela Unicamp, com pós-graduação em macroeconomia pela PUC-SP, presidente da BB DTVM, vice-presidente da ANBID, diretor das BB Securities de Londres e Nova York e integra o Conselho de Administração da BM&F.