Título: Capacidade ociosa permite crescimento de 4%
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2006, Brasil, p. A3

A indústria aumentou a produção nos últimos dois anos sem pressionar o nível de utilização de capacidade instalada (Nuci), uma boa notícia sobre as possibilidades de crescimento do país com inflação sob controle. O fenômeno se deve, segundo analistas, ao aumento e à maturação de investimentos nesse período e ao próprio ritmo moderado de expansão da economia. Em outubro, a utilização de capacidade na indústria de transformação ficou em 84,2%, abaixo dos 84,9% registrados em outubro de 2004, ainda que a produção tenha crescido 6,2% de lá até setembro deste ano.

Os números da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam que a utilização de capacidade não é uma barreira à aceleração do crescimento dos cerca de 3% neste ano para a casa de 4% em 2007. Os analistas divergem, porém, quanto à possibilidade de o PIB avançar 5% sem que haja pressões inflacionárias relevantes.

O economista Caio Prates, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta três motivos para o fato de a utilização de capacidade estar em níveis confortáveis: o comportamento positivo do investimento, a expansão do PIB mais lenta do que se imaginava e a continuidade do processo de redução de estoques.

Prates estima que, de janeiro a setembro, a formação bruta de capital fixo (FBCF), que mede as inversões na construção civil e em máquinas e equipamentos, aumentou 6,5% em relação ao mesmo período do ano passado. "O investimento tem mostrado um comportamento bastante razoável", resume Prates, calculando que o PIB, nesse mesmo intervalo, avançou 2,6%, uma velocidade bem abaixo da projetada no começo do ano. Para completar, o ajuste de estoques, que se esperava finalizado no segundo trimestre, continuou no terceiro.

Prates não vê restrições ao crescimento provenientes da capacidade instalada em 2007. Ele prevê um crescimento de 2,9% em 2006 e de 3,8% no ano que vem, o que não elevaria demais o nível de utilização da capacidade e nem pressionaria a inflação.

Prates nota que o investimento aumentou bastante no acumulado dos últimos três anos. Em 2004 houve um avanço significativo, de 10,9%, seguido por uma expansão medíocre no ano passado, de 1,6%, e pela reação observada em 2006. Ele estima um crescimento de 6,5% para o acumulado no ano.

O economista Guilherme Maia, da Tendências Consultoria Integrada, também acha que o investimento ajuda a explicar o comportamento tranqüilo da utilização de capacidade. Parte das inversões feitas em 2004 deve ter maturado nos últimos dois anos, avalia ele. Além disso, uma parcela razoável da demanda tem sido suprida pelo aumento de importações, diz.

O sinal amarelo sobre a utilização de capacidade acendeu pela última vez na segunda metade de 2004. Depois do crescimento de apenas 0,5% no ano anterior, a atividade econômica ganhou impulso, e o uso da capacidade atingiu patamares que o Banco Central julgou altos demais. O PIB cresceu 4,9% naquele ano.

No setor de bens intermediários (que produz insumos), o nível de utilização bateu em 88,9%, um dos motivos que levaram o BC a iniciar um ciclo de alta dos juros. Dois anos depois, a situação é bem mais tranqüila: a utilização de capacidade caiu para 87,9%, mesmo após o crescimento de 4,1% no período.

O setor de material para construção é o que mostra comportamento mais preocupante. O percentual de utilização atingiu 87% em outubro deste ano, acima dos 80% de igual mês de 2005. Nos 12 meses terminados em setembro (último número disponível), a produção de insumos típicos para a construção civil cresceu 5%.

Para o economista Sérgio Vale, da MB Associados, isso pode sinalizar limites para a produção no futuro e eventuais aumentos de preços se a demanda continuar elevada. A boa notícia é que o segmento parece estar se preparando para aumentar a capacidade produtiva, como nota Maia. De janeiro a setembro, a produção de bens de capital para a construção civil aumentou 11,29% em relação aos nove primeiros meses de 2005.

O setor de bens de capital viu seu Nuci subir para 83,5%, acima dos 81,2% registrados em outubro de 2004 e de 2005, mas o número não chega a preocupar os analistas. Vale diz que a produção no segmento tem sido muito desigual. Alguns subsetores crescem muito, como o de bens de capital para construção civil e energia elétrica, mas outros despencam, como o de máquinas agrícolas.

Prates considera possível um crescimento na casa de 4% em 2007 e 2008 sem esbarrar em gargalos produtivos. A questão é que outros fatores devem impedir esse ritmo de expansão. Para ele, o setor externo vai continuar a contribuir negativamente para o PIB no ano que vem, porque o câmbio deve seguir valorizado. Neste ano, o aumento maior das importações que das exportações "deve roubar" um ponto percentual do crescimento.

Maia também não vê gargalos produtivos que impeçam uma expansão na casa de 4% em 2007. Além dos investimentos, ele acredita que houve alguns ganhos de produtividade neste ano, que teria voltado a melhorar depois do mau desempenho de 2005. Um crescimento de 5% no ano que vem, porém, parece um pouco excessivo a Maia Ele acha que a capacidade ociosa poderia ser preenchida rápido demais se a atividade pulasse dos atuais 3% para 5%.

Para Prates, saber se a economia pode crescer 5% em 2007 ainda é "uma questão em aberto" do ponto de vista da utilização de capacidade. Ele não compra a tese de que em 2004 a inflação começou a subir porque o Nuci atingiu patamares altos demais; em sua avaliação, ela aumentou devido à combinação de um choque de oferta causado pela disparada das commodities e da elevação das expectativas inflacionárias, num cenário de demanda mais forte. Prates ressalta que não quer dizer com isso que o país já está preparado para crescer a 5% por vários anos seguidos. Para isso, a taxa de investimento, hoje na casa de 20,5% do PIB, teria que ser bem mais alta - alguns analistas dizem que seria necessário uma taxa de 25% para sustentar esse nível de expansão.

Vale vê a discussão sobre um crescimento de 5% em 2007 com ceticismo. Ele não mostra preocupações com eventuais gargalos no curto prazo, mas não vê dinamismo suficiente para o PIB crescer a essa velocidade. Para Vale, o avanço da economia no ano que vem deve ser de 2,8%. Crescer a taxas maiores exige uma reforma fiscal de verdade, diz Vale, para quem é indispensável reduzir gastos correntes para diminuir a carga tributária e aumentar os investimentos públicos. Com isso, haveria espaço para quedas mais fortes dos juros.

Embora não veja restrições de oferta no curto prazo, Vale tem uma visão mais pessimista do que Prates em relação à evolução dos investimentos. Para ele, as inversões estão de fato crescendo, mas o perfil da expansão não é dos melhores. Na construção civil, que responde por 60% da FBCF, o segmento que mais cresce é o residencial, que não aumenta a capacidade produtiva do país, afirma ele.