Título: Estrada terá impacto econômico reduzido
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2006, Brasil, p. A4

Frida Quispe, um metro e quarenta e cinco de altura, é magra, tímida, possui maneiras e voz delicadas. Quando tira os óculos protetores que compõem o uniforme, aparecem os traços indígenas típicos do Peru e a pele marcada pelo sol. Ela conta que tem 28 anos, veio de Cusco, na serra peruana, e deixou para trás o filho de cinco anos. Com um rádio comunicador e a placa "pare" e "siga", controla o tráfego nas obras da estrada. Frida trabalha a 30 quilômetros da fronteira com o Brasil, em plena floresta amazônica, onde a temperatura abrasadora e os mosquitos podem parecer intoleráveis.

Cerca de 100 mulheres como Frida exercem a função de "sinaleiras" nas obras da Interoceânica, estrada que vai unir o município de Assis Brasil, no Acre, aos portos peruanos de San Juan de Marcona, Matarani e Ilo. No total, são mais de 3 mil trabalhadores peruanos envolvidos hoje com o projeto. Um número muito maior de pessoas que vivem nas 108 comunidades afetadas pelas obras se inscreveu na lista de espera da concessionária e aguarda sua vez. No Peru, existem 4,8 milhões de empregos formais para uma população economicamente ativa de 12 milhões.

A Interoceânica é a maior obra de infra-estrutura rodoviária da história do Peru. Estima-se que durante os quatro anos de construção sejam criados 14 mil postos de trabalho. Dos 2,6 mil quilômetros, serão asfaltados 1.071 quilômetros a um custo de US$ 810 milhões. O projeto contemplará dez regiões do sul do país - Madre de Dios, Puno, Cusco, Tacna, Moquegua, Arequipa, Ica, Ayacucho, Apurímac e Huancavelica -, o equivalente a 32% do território, afetando cerca de 5 milhões de pessoas.

Segundo estudo feito a pedido das construtoras, a estrada pode gerar um aumento de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Considerada uma das principais obras da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA), firmada pelos presidentes do continente no ano 2000, a Interoceânica daria aos produtos brasileiros uma saída para o mercado asiático via Oceano Pacífico, enquanto os produtos peruanos chegariam mais facilmente ao maior mercado da América Latina.

Apesar da magnitude da obra, dos empregos criados durante sua construção e do caráter geopolítico estratégico, os efeitos econômicos de curto prazo da estrada tendem a ser pequenos, já que os dois países passaram muito tempo de costas um para o outro, separados pela Cordilheira dos Andes e pela floresta amazônica.

O Brasil é o sétimo destino das exportações peruanas, respondendo por 3% do total. De janeiro a setembro, o Peru exportou para o Brasil US$ 568 milhões, bem atrás dos Estados Unidos, principal cliente do país, que absorveram US$ 4 bilhões. A Interoceânica ligará as duas regiões mais esquecidas e economicamente fracas de Brasil e Peru. Ao chegar à fronteira com o Acre, os produtos peruanos ainda estarão a 3.934 quilômetros de São Paulo, maior centro consumidor.

Devido ao alto custo do transporte rodoviário ou pela falta de intercâmbio entre os dois países, as grandes empresas peruanas não fazem planos de transportar seus produtos pela estrada. Se os caminhões voltarem vazios do Peru, pode não compensar para os agricultores do Acre, Rondônia ou Mato Grosso exportar sua soja pela Interoceânica, apesar da economia de 2 mil quilômetros na rota para a Ásia. "O problema é o frete de retorno, pois não há mercadoria suficiente para a volta", explica Carlos Lazarte Hoyle, presidente do Grupo Ultramar, que intermedia operações de comércio exterior no Peru. "O Brasil é um mercado grande, mas fechado e protegido."

O presidente e CEO da Southern Copper, Oscar Gonzalez Rocha, disse ao Valor que a empresa não pretende utilizar a Interoceânica, apesar de possuir uma mina próxima da estrada. A companhia transporta cobre e derivados em uma estrada de ferro própria até o porto de Ilo. De lá, os produtos seguem até o porto de Santos, via Terra do Fogo no extremo sul da Argentina. O trajeto é longo, mas a via rodoviária pode sair até duas vezes mais cara.

"A estrada atenderá melhor as pequenas e médias empresas", diz Gonzalez. A mineração é a principal atividade econômica do país e responde por 50% das exportações. Com faturamento de US$ 2 bilhões, a Southern Copper é a maior exportadora do Peru e a empresa que mais vende para o Brasil, cerca de US$ 200 milhões por ano.

Outro importante setor da economia peruana é a indústria pesqueira. O país exporta farinha de pescado, utilizada na criação de peixes no Chile, Noruega e Japão. As trocas com o Brasil são praticamente inexistentes nessa área, o que torna remota a chance de qualquer empresa do ramo utilizar a Interoceânica. "O problema é que o Brasil ainda não é nosso cliente", diz Ricardo Bernales, presidente da Pesquera Diamante e da Associação dos Pesqueiros Industriais do Sul (Aprosul).

É provável que os impactos iniciais da Interoceânica, em vez de comerciais, sejam sociais e ocorram dentro do território do Peru. A estrada ajudará a tirar do isolamento muitas regiões e pode reduzir a extrema desigualdade que separa costa, serra e selva. As trocas pela rodovia devem começar por verduras e vegetais frescos, o que reduzirá o custo de vida da população. Também deve ajudar o turismo, já que a estrada facilita o acesso a "resorts de selva" na Amazônia e as ruínas de Machu Picchu.

Devido às dúvidas sobre a rentabilidade da obra, a construção da Interoceânica é uma Parceria Pública Privada (PPP). Os consórcios terão a concessão dos trechos da estrada por 25 anos e recuperarão parte dos investimentos através de pedágio. Mas uma boa parcela da obra será paga pelo governo peruano. Até agora foram licitados e começaram as obras dos três trechos em piores condições.

Para a construção dos trechos dois e três - de Iñapari, na fronteira com o Brasil, passando por Puente Inambari, e seguindo até Urcos - venceu o consórcio Conirsa, formada pela brasileira Odebrecht e três sócias peruanas. No trecho quatro - de Puente Inambari a Azángaro - estão trabalhando Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Correa. A primeira fase das obras tem financiamento de US$ 200 milhões da Corporação Andina de Fomento (CAF). O restante dos recursos deve ser obtido por um empréstimo que provavelmente será fechado com a Merrill Lynch.

Apesar do pouco impacto econômico imediato, a construção da Interoceânica se transformou em uma bandeira política do ex-presidente Alejandro Toledo e também de seu sucessor, Alan Garcia, e ganhou o apoio das associações empresariais. Segundo Luis Vega, presidente da Associação de Exportadores (Adex), exportar é o único caminho para o Peru porque o mercado interno não permite escala competitiva. "E sem infra-estrutura, exportar é inviável", completa Ximena Zavala Lombardi, gerente-geral da Confederação Nacional de Instituições Empresariais Privadas (Confiep).

O Peru é um país muito carente de infra-estrutura logística e perde 8% do seu PIB, ou US$ 6,3 bilhões por ano, devido a essas deficiências. Com a alta dos preços dos minérios, a economia do país cresceu 6,4% em 2005, deve expandir-se 6,6% este ano e suas exportações cresceram em média 30% nesse período. Graças a essa bonança econômica, é natural que o governo volte os olhos à infra-estrutura - projetos que o país precisa e rendem votos. Resta saber se eles trarão apenas empregos temporários ou ganhos permanentes.

*A repórter viajou a convite da Scania