Título: Obra cria empregos e atrai população ao interior do Peru
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2006, Brasil, p. A5

Em comparação com a vizinha brasileira Assis, que possui um bom supermercado e uma farmácia, a cidade de Iñapari, no Peru, não passa de um amontoado de casebres de pau-a-pique em ruas de terra. Mas quem conhece a região conta que o número de casas e de pequenos estabelecimentos comerciais aumentou bastante desde o início do ano. O lugar é realmente isolado. Está a 330 km de Rio Branco, 1.871 km de Lima e 3.934 km de São Paulo.

Narciso Paricauha - que vive na cidade há 11 anos e comercializa artesanatos, brinquedos e utensílios domésticos - conta que as vendas cresceram 30% depois da construção da ponte, que ligou os dois países, em janeiro desse ano. Para acomodar mais mercadoria, aumentou os fundos da loja. Ele diz que também cresceu a concorrência, pois outros comerciantes estão chegando à região.

"Ficou muito bonito. Todo mundo está contente", diz o comerciante, referindo-se à ponte, que ele cruza com seu "moto-carro". O tamanho da obra e sua arquitetura destoam do aspecto miserável do resto da cidade. Até 2005, peruanos e brasileiros só podiam cruzar a fronteira de barco e as passagens eram caras. Com a ponte, muitos peruanos compraram "moto-carros" para chegar ao Brasil e ter acesso a pequenos sonhos de consumo, como bombons Garoto.

A cidade vive a expectativa da construção da Interoceânica, que vai ligar o Brasil aos portos peruanos no Oceano Pacífico. Mas a população está interessada mesmo é nas batatas e nas verduras que podem chegar dos Andes. O quilo do alho custa 5 soles (R$ 3,3) e o quilo da batata 1,5 sol (R$ 1) em Iñapari. O solo dessa região, que está encravada no meio da Amazônia, é pobre e pouco propício para a agricultura.

A reportagem do Valor percorreu trechos dos 700 quilômetros que estão sendo construídos pela Odebrecht e suas três sócias peruanas entre Iñapari, no departamento de Madre de Dios , e Urcos, no departamento de Cusco, nos Andes. As obras começaram em abril e a estrada já é toda transitável, mas a obra só estará completa em 2009. O tempo de viagem já caiu de 12 horas para 8 horas e meia. Por conta da altitude, a paisagem e o clima mudam completamente. Na selva, as temperaturas ultrapassam os 35 graus e a altitude é de 200 metros. Na serra, o pico chega a 4.600 metros, com temperaturas que podem ficar abaixo de 10 graus no inverno.

Da fronteira com o Brasil até Puerto Maldonado, a viagem é de quatro horas e meia em uma monótona estrada de terra com muita poeira. Sentado em uma camionete com ar condicionado, o viajante quase esquece que está na floresta Amazônica. O entorno da estrada já está um pouco desmatado, é comum ver queimadas e caminhões de madeira . Cidade mais importante da região, Puerto Maldonado não tem ruas asfaltadas, tem problemas de abastecimento de água, mas vive um boom de imigração por conta da obra. O sinal mais evidente são as motos, que circulam e buzinam sem parar.

É depois dessa cidade que começa o trecho da estrada de mais difícil acesso e construção. Os 120 quilômetros que separam Santa Rosa de Quincemil - transição entre a floresta e os Andes - são cortados por cinco rios. Segundo Danilo Trinchão, gerente de logística da Conirsa, os funcionários do acampamento da empresa na área ficarem ilhados quando chove demais.

A partir daí, a paisagem muda completamente e a subida é íngreme até os povoados de Ocongate e Ccatcca. O clima da região é frio e o ar, muito seco. Circulam pela estrada camponeses vestidos em trajes típicos, pastoreando ovelhas e llamas.

Muitas dessas pessoas não falam espanhol, mas Quelchua, um idioma antigo dos índios da região, passado de pai para filho, que não tem linguagem escrita. Antes de começar as obras, os funcionários da construtora, com a ajuda dos operários locais e de um "bruxo", participaram de um um ritual índio. É a homenagem a Pacchamama - "mãe terra" em Quelchua -, uma espécie de pedido de autorização para mexer na terra.

Entre os operários que trabalham nesse trecho, está José Champi, 33 anos, nascido na região. Ele está ajudando a cortar um pedaço da montanha. Tem o rosto sujo de graxa, faltam dentes na boca, mas é dono de um sorriso franco. Pai de dois filhos, conta que deixou o trabalho nas minas de ouro para conseguir uma vaga na construção da Interoceânica. "É a primeira vez que vemos um bom dinheiro", conta o peruano. Champi ganha 930 soles por mês, o que equivale a um salário de R$ 620.

O povoado de Ccatcca parece envolto em vento e poeira. A população de 11,5 mil habitantes, vive espalhada em 23 comunidades. Na região central, está a praça de Armas, com a igreja, a prefeitura e o boteco. Jesus Velasquez Rodriguez, funcionário da prefeitura, conta que a cidade tinha apenas um restaurante, agora são quatro. Antes, não havia nenhuma hospedagem. Hoje, seis famílias adaptaram suas casas para funcionarem como pequenas pousadas.

Cerca de 200 pessoas de Ccatcca estão trabalhando na obra. Essas famílias deixaram de plantar, passaram a receber salário e comprar comida, estimulando outras pessoas a produzir mais alimentos. Um processo de transição da agricultura de subsistência para a comercial. Mas a principal mudança na cidade foi o transporte. Para ir a Urcos, maior cidade da região, os habitantes de Ccatcca viajavam em cima dos caminhões-cisterna, que carregam combustíveis. Como a estrada agora está transitável, um empresário comprou pequenos ônibus e agora existem cinco horários de saída durante o dia.

Em Urcos, ponto final do trajeto, a expectativa sobre a Interoceânica também é grande. Segundo o prefeito, Lizardo Angeles, um terreno de 50 metros na cidade custava cerca de 500 soles. Hoje as pessoas só negociam em dólar. Se é perto da estrada, vale US$ 750, ou seja, 2.250 soles. Ele calcula que a renda mensal dos camponeses já subiu de 10 para 40 soles. Estão chegando muitas pessoas na cidade e o prefeito reconhece que não há condições de saneamento, energia ou água para receber a todos.

Nebes Ganana, 44 anos, vestida com roupas típicas, está na praça central de Urcos, vendendo balas e doces. Ela estaciona ali sua barraquinha desde 1982, mas quando a Interoceânica chegar pretende se mudar para a beira da estrada. A senhora aguarda ansiosamente que seu filho seja chamado para trabalhar na estrada e tenha uma remuneração fixa. Faz um ano que ele colocou seu nome na lista.