Título: Pedágio, para melhorar o transporte público
Autor: Dowell, Fernando Mac
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2006, Opinião, p. A10

Os desafios na área de transporte são decorrentes da falta de visão sistêmica do problema. Temos um transporte público deficiente e caro, que leva à favelização de boa parte da população, que precisa morar próximo aos locais de trabalho e não pode arcar com os custos de locomoção. Por outro lado, há locais, como na região metropolitana de São Paulo, onde mais de 50% dos deslocamentos são feitos por carros particulares.

Um dos principais problemas do transporte público é a concentração da demanda no horário de pico. Apesar disso, não existem ações objetivas para atenuar essa situação, como fomentar o uso das vias ao longo do dia. Para exemplificar: em duas linhas de ônibus, com a mesma extensão e igual demanda de passageiros, é necessário investimento maior na que tiver a maior concentração em horários de pico, que implica em maior frota para o atendimento. Nesta situação, há ociosidade ao longo do dia, o que onera o valor da tarifa, porque é necessário manter a freqüência mínima de operação. E isso não acontece só nos ônibus. Até linhas do Metrô de São Paulo, como a Norte/Sul e a Leste/Oeste, e as Linhas 1 e 2 do Metrô do Rio, enfrentam essa distorção.

Quanto mais longe do pólo gerador de empregos, menor a renda da população e, paradoxalmente, maior é a sua despesa para se deslocar. Daí o Sistema de Transporte Coletivo ter sido "sem querer" um dos principais indutores da favelização nas grandes cidades brasileiras, que as autoridades "fingiram" não ver. E, nesse vácuo míope no trato da mobilidade, induziu a criação do transporte alternativo irregular, agravando a fluidez do tráfego.

Por exemplo, em 1976, no Rio, um salário mínimo equivalia a 457 viagens por mês para 90% dos usuários; hoje equivale a 184. Ou seja, elevaram-se em termos reais as despesas de deslocamento em 59,7% e reduziu-se a mobilidade da população em 35,8%, elevando o número de excluídos do transporte coletivo, substituído por longas caminhadas a pé.

O valor da tarifa do sistema de ônibus urbano no país é calculado de forma imprópria. Há forte tendência de praticar o mesmo valor por passageiro, embora as distribuições de renda e as operações sejam distintas em cada cidade. A necessidade de modernizar o sistema tarifário de ônibus é fundamental. Além de ser o principal sistema de transporte (com exceção de São Paulo), por um lado é operado por empresas privadas, e deve manter o equilíbrio financeiro do contrato, mas por outro está a serviço da sociedade.

Assim, querer que as pessoas troquem o carro pelos ônibus é uma utopia. Apenas o metrô tem esse sentido de agregação mais objetivo, desde que seja facilitado o acesso às estações, descentralizada a integração dos modais complementares e que a taxa de passageiros em pé por metro quadrado nos trens seja compatível com o tempo de duração da viagem.

Os metrôs do Rio e de São Paulo deram uma lição de civilidade e de respeito ao cidadão, mostrando que a igualdade de tratamento não depende do nível social. Com isso, o metrô é de fato o sistema de transporte que permite a retirada de automóveis das ruas. Por exemplo, no Metrô do Rio, 37% dos passageiros possuem automóvel, enquanto no sistema de ônibus, 9%.

-------------------------------------------------------------------------------- Cobrar veículos que usam o sistema viário e diminuir a concentração nos horários do pico eleva a qualidade dos ônibus --------------------------------------------------------------------------------

Por outro lado, quanto maior for o nível de renda, tanto maior é o índice de mobilidade (mais viagens por habitante por dia) e tanto maior é a participação das viagens em transporte individual, razão pela qual em São Paulo mais de 50% das viagens já são feitas de carro, enquanto no Rio são 26%.

Solucionar isso passa necessariamente pela descentralização do tráfego, seja por meio de novas vias que redistribuam o fluxo ou com a criação de faixas expressas nas artérias existentes, com o objetivo de segregar o tráfego. Neste caso há a opção de o poder público cobrar pedágio nessas faixas expressas.

Várias cidades do mundo têm adotado o pedágio urbano. Ele se justifica pela necessidade de manter o mesmo nível de serviço de tráfego nas duas situações, ou seja, para os que não pagarão e serão beneficiados com o alívio de parte do tráfego desviado para as faixas expressas, por livre escolha, e os que pagarão pelo uso.

Para maximizar os benefícios econômicos, sociais e ambientais dessa solução é preciso que as faixas sejam preferencialmente operadas com cobrança automática através do sistema AVI, permitindo que se adote valor dinâmico da tarifa de pedágio ao longo do dia. Nesta opção, os investimentos, a manutenção e a operação ficam a cargo de uma concessionária privada, minimizando a aplicação de recurso público, que deve ser concentrado na ampliação da expansão do sistema metroviário.

Há formas para se solucionar financeiramente os investimentos na implantação de novas vias, ou mesmo na ampliação de capacidade de escoamento do tráfego de vias já existente, oferecendo-se o serviço da dívida ativa do município como garantia para empréstimos e operações de Parceria Público Privada (PPP) em concessões à iniciativa privada. Esta, por sua vez, dará ao poder público a complementação por meio de capital próprio e de empréstimo para pagamento em longo prazo garantido pelo serviço da dívida ativa do município.

A vantagem dessa garantia está em melhores taxas de juros e demais elementos que envolvem o serviço da dívida. Vence a concorrência a empresa ou grupo que apresentar o menor valor de desembolso da prefeitura ao longo de 25 anos, dos quais dois anos durante a realização das obras, mais os valores do serviço da dívida do empréstimo de longo prazo, mais os desembolsos da taxa de serviço que a empresa receberá da prefeitura durante 25 anos relativos a serviços e investimentos prospectivos que assumirá nesse segmento.

Essa modelagem foi desenvolvida pelo autor para a Prefeitura do Rio de Janeiro, a partir de decreto do prefeito, com vistas a viabilizar o Projeto de Ampliação e Modernização da Auto-Estrada Lagoa Barra, evitando-se, dessa forma, mais impostos e taxas que são sempre lembradas para cobrir os ônus da utilização do automóvel nas grandes cidades, sem que se contabilize o aumento significativo da inadimplência e custos administrativos decorrentes. É uma opção, porém, que pode viabilizar os investimentos nas maiores cidades brasileiras, em geral sem orçamento para realizar as obras que o sistema de transporte necessita.

Fernando Mac Dowell é professor de Engenharia de Transportes e livre docente em Engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi diretor de Planejamento e Projetos do Metrô do Rio de Janeiro durante a fase de sua implantação (1975 a 1979) e dos projetos hoje em execução.