Título: Consumidor de baixa renda é alvo
Autor: Rosemblum, Célia
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2006, Empresas, p. B2

Até o fim de 2007, a Nestlé do Brasil planeja contabilizar R$ 300 milhões em vendas realizadas pelo sistema porta a porta nas periferias de São Paulo e do Rio, onde realiza um projeto-piloto. Pode parecer pouco diante do tamanho das operações da companhia que teve um faturamento de R$ 5,76 bilhões em 2005 no país, segundo o anuário "Valor 1000". Mas é um sinal de que caminha, e bem, sua estratégia de diversificação.

Hoje a companhia conta com 3,8 mil mulheres de baixa renda que dedicam duas ou três horas de seu dia à venda de produtos nas comunidades paulistas onde vivem. Num país como o Brasil, em que 94% dos domicílios consomem produtos com a marca Nestlé pelo menos uma vez por dia, segundo pesquisa da Latin Panel realizada em 2005, esse contingente de autônomas é uma ferramenta poderosa para consolidar novos nichos de negócios.

Essas mulheres representam a ponta de um mercado bastante atraente. Paul Bulcke, vice-presidente da Nestlé para os Estados Unidos, Canadá, América Latina e Caribe, calcula que apenas na América Latina existe, junto à população de baixa renda, um potencial de consumo de US$ 200 bilhões ao ano no ramo de alimentos. "Se conseguirmos 1% disso teremos US$ 2 bilhões", diz. Algo como um adicional de 2,7% nas vendas realizadas no ano passado em todo o mundo.

Vender para a população de baixa renda na América Latina - um universo que, segundo Bulcke, reúne cerca de 200 milhões de pessoas - é, também, uma oportunidade de negócios que cresce de forma acelerada e com rápido retorno. O Nordeste brasileiro, com 65 milhões de consumidores, alçado no organograma da companhia à condição de área específica de negócios, com um executivo designado para desenvolver estratégias para a região, deve fechar o ano com aumento de 20% na vendas, segundo o presidente da Nestlé do Brasil, Ivan Zurita. "É mais do que o dobro do crescimento médio", comemora Bulcke.

Para ter uma presença ampliada nesse mercado das classes C, D e E é preciso, segundo Bulcke, passar de um modelo desenvolvido para a média da população brasileira - com portfólio, sistemas de distribuição e de comunicação voltados para essa parcela - para um sistema que atenda especificamente as necessidades das pessoas que ganham menos.

Para começar, a multinacional mandou seus executivos a campo, para um mergulho na realidade dessa população. "Quem teve a sorte de nascer numa classe de maior renda e estudou não capta, não entende realmente o que e como pensam essas pessoas", diz Bulcke. "Podem intelectualizar a coisa, mas não sentir. Mas queremos que as pessoas pelos menos entendam." Além da vivência, a empresa quer complementar o conhecimento dessa parcela específica do mercado com a contratação de funcionários que pertencem a essas classes sociais. "Esse conceito só pode ser bem trabalhado por pessoas que viveram a situação", afirma o executivo.

A companhia também investiu, segundo Zurita, "muitos milhões" - ele prefere não revelar quantos - em pesquisas. Descobriu que o fluxo de caixa das famílias de baixa renda era de sete dias, que as pessoas têm pouco tempo para o café da manhã, que não podem ir ao mercado todo dia, que, apesar das limitações, valorizam a marca e a qualidade do produto.

Para atender essa população é preciso ir além do preço. "Não vamos fazer marcas para gente pobre, são as mesmas marcas", afirma Bulcke. A estratégia, segundo Zurita, é fazer uma compensação com outros custos que integram a cadeia regular. Isso inclui um portfólio reduzido, com a oferta específica de itens que interessam ao público de mais baixa renda, menor sofisticação das embalagens e menores quantidades por embalagem, por exemplo.

Dentro desse conceito já surgiram produtos como um envelope que equivale a um copo de leite quando dissolvido e um sorvete líquido que requer apenas 30 minutos de geladeira e, portanto, não pesa na conta de energia. Eles se adaptam também a uma outra constatação das pesquisas. A referência monetária para a população de baixa renda é R$ 1. E a oferta de produtos precisa levar em conta a essa realidade.

A margem de lucro nesse segmento deve ser a mesma da obtida com outros produtos.

"Se no longo prazo tivermos uma atividade que tem margens menores a empresa não vai manter o interesse", explica Bulcke. "Em países como os nossos, que são países em crescimento, é onde as empresas de alimentos necessitam de maior investimento", diz Zurita.

E, a cada 3% de crescimento nas vendas, segundo o executivo, a Nestlé precisa abrir uma nova fábrica que permita atender a demanda. (CR)