Título: Argentina culpa os bancos que venderam bônus
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2005, Finanças, p. C8

O governo argentino tentou ontem transferir aos bancos a pressão que está recebendo de credores italianos de sua dívida externa para que melhore a oferta de reestruturação, lançada no fim da semana passada. Depois de ser pressionado anteontem em uma reunião com autoridades italianas, o embaixador da Argentina em Roma, Victorio Taccetti, afirmou que seu país não tem como pagar mais pelos bônus que estão em default desde dezembro de 2001, e que a única alternativa para os que querem receber mais é "atuar contra os bancos". Em entrevista a uma rádio portenha, Taccetti disse que os bancos italianos "estão assustados, porque pensam cada vez com mais certeza que vão ter que colocar dinheiro para compensar pelo que não fizeram bem". O argumento da Argentina é que os clientes de bancos que foram aconselhados a comprar bônus argentinos na década passada não foram adequadamente advertidos sobre os riscos envolvidos na operação. Do valor nominal total da dívida argentina em default, de US$ 82 bilhões, US$ 15 bilhões estão em poder de mais de 400 mil investidores italianos, a maioria pequenos e médios poupadores. O tema tem grande sensibilidade política porque muitos italianos à beira da aposentadoria tiveram fortes perdas nos últimos anos, com o colapso da economia argentina e a quebra de empresas, como a Parmalat. Segundo o embaixador argentino, a Justiça italiana já emitiu seis sentenças contra bancos italianos, condenando-os pela maneira como atuaram na venda de dívida argentina aos clientes. De acordo com Taccetti, "o Estado argentino está reconhecendo sua responsabilidade pagando tudo o que pode e os bancos olham para o outro lado". O diplomata também disse entender a postura de pressão adotada pelo governo italiano, que "tem de mostrar que está defendendo os bonistas", mas considerou que a única forma de pressão prática que a Itália poderia exercer seria diminuir os investimentos no país. Apesar da reação negativa dos bonistas italianos e das críticas que a proposta argentina continua recebendo, o início da operação foi qualificado ontem como "excepcional" por Luis Corsiglia, titular da Caixa de Valores, a instituição financeira responsável pela troca dos bônus no mercado argentino. Corsiglia disse que os pedidos por bônus no primeiro e segundo dias da operação envolviam papéis cujo valor nominal chegava a US$ 18,3 bilhões, correspondentes a 22,3% do total dos títulos em default. Entre os papéis já negociados, Corsiglia destacou a demanda por US$ 8,3 bilhões em bônus sem desconto, que foram desenhados especialmente para os fundos de pensão argentinos e que já estariam esgotados. Segundo ele, os resultados das operações de ontem só serão consolidados hoje, e esses dados servirão como um termômetro da reação dos investidores dos EUA à proposta, já que anteontem o mercado financeiro americano não funcionou devido a um feriado. O prazo limite para aderir à oferta argentina é 25 de fevereiro. Alguns bônus em default que cotizam no mercado secundário voltaram ontem a cair. O bônus com vencimento em 2008 teve sua maior queda em seis meses. Segundo Corsiglia, a movimentação no mercado ocorre porque investidores estão se desfazendo de papéis mais valorizados e comprando os mais baratos para apossar-se da maior quantidade nominal de bônus antes de aderir à oferta oficial.