Título: Samba em NY
Autor: Felipe Frisch
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2005, EU &, p. D1

Se os americanos celebram o "Dia do Brasil em Nova York" em setembro com eventos sobre a cultura brasileira, 2004 parece ter sido o ano verde-amarelo na bolsa americana. Os recibos de ações de empresas de fora dos EUA - os American Depositary Receipts, ou ADRs - lançados por companhias brasileiras encerraram o ano num nível de preços acima do registrado pelo índice geral de ADRs. A virada aconteceu em novembro e os papéis brasileiros se mantêm à frente desde então, tendo acumulado valorização de 32,28% no ano passado, frente aos 14,47% do índice geral. O vigor dos números brasileiros também chama atenção pelo volume negociado. Dos US$ 954,476 bilhões que os recibos de todos os países movimentaram no ano passado, US$ 61,33 bilhões foram de 37 papéis de 33 empresas brasileiras listadas. No total, 459 companhias de 47 países têm papéis negociados nos EUA via ADRs. Em relação a 2003, houve um crescimento de 74,1% no volume de negócios com recibos brasileiros. Os ADRs equivalem a um determinado número de ações no país de origem definido pela companhia. As ações ficam custodiadas em algum banco estrangeiro escolhido pela empresa. O número de negócios com ADRs brasileiros é bastante significativo se comparado ao total movimentado no mercado à vista da Bovespa no ano passado: US$ 86,687 bilhões de acordo com a consultoria Economática. Para alguns analistas, isso demonstra o peso da avaliação e dos negócios de corretoras estrangeiras sobre as cotações domésticas. Os estrangeiros respondem atualmente por 32,8% dos negócios da bolsa paulista. Líderes em negociações entre as brasileiras foram os recibos de ações ordinárias (com direito a voto) da Petrobras, com US$ 9,660 bilhões movimentados em 2004. Em seguida, ficaram os recibos de ações ON da Companhia Vale do Rio Doce, com US$ 8,965 bilhões. As preferenciais (sem voto) da estatal do petróleo, na terceira colocação, movimentaram US$ 5,412 bilhões. Em seguida, vieram as PNs da Tele Norte Leste Participações, com US$ 4,444 bilhões, CVRD PN, com US$ 3,790 bilhões, Embraer PN, que movimentou US$ 3,574 bilhões. Os recibos de AmBev ON representaram US$ 3,232 bilhões e Unibanco tiveram US$ 2,775 bilhões. Companhia Siderúrgica Nacional ON teve US$ 2,146 bilhões e Aracruz PN, US$ 2,063 bilhões. Para os analistas, os números mostram que, diferente de outros anos, a bolsa brasileira não "acompanhou" simplesmente as estrangeiras, mas mostrou maior independência. "Algumas casas (gestoras de fundos e corretoras) têm sistemas eletrônicos que arbitram automaticamente os preços entre os mercados", diz Rui Borges, diretor da corretora Espírito Santo. A chamada "arbitragem" funciona da seguinte forma: se um grande investidor vê que a ação está mais barata em um mercado, compra pelo preço mais baixo para vendê-la em seguida onde está mais cara. Nessa operação entre bolsas, a taxa de câmbio também tem um papel importante. Borges lembra que a operação é muito rápida, além de sofisticada e cara para o investidor individual. Na hora de analisar se um papel está com o preço equivalente ao de seu recibo, o investidor deve ter em mente também que cada ADR corresponde a um número diferente de ações e são cotadas em dólar. A desvalorização da moeda americana em 2004 ajudou a valorização dos papéis brasileiros no exterior. À medida que o dólar caía, os preços dos ADRs acabavam subindo para se ajustar ao valor das ações em reais. Para 2005, as perspectivas do executivo para a bolsa ainda são positivas, apesar do início de ano negativo. Nas empresas com programas de ADRs tanto de ações ordinárias como de preferenciais - especialmente Vale e Petrobras -, a procura maior do investidor estrangeiro acaba sendo pelas ações ordinárias e, com isso, as ONs acabam custando mais que as preferenciais. É o inverso do que ocorre aqui na maioria dos casos, em que as PNs são mais caras por causa da liquidez maior que a das ONs. Por isso, nos lançamentos de ADRs, algumas empresas têm mais preocupação em oferecer papéis com direito a voto. "O estrangeiro está mais acostumado com esses papéis", diz o analista Claudio Delbrueck, do Unibanco. No caso da Petrobras, ele lembra que 26,5% das ações ordinárias são negociadas via os recibos lá fora. No Brasil, apenas 3,7% das ONs estão em circulação. No caso das preferenciais, os ADRs da estatal correspondem a 37,3% dos papéis. No total, isso representa 31% do capital da empresa, da qual o governo tem 32,2%. As aberturas de capital de empresas brasileiras no ano passado também deram sua contribuição para o volume de negócios com ADRs. As estreantes Gol e CPFL Energia movimentaram respectivamente US$ 625,287 milhões e US$ 198,095 milhões. "As altas foram em função da melhora geral de perspectivas para o Brasil", diz Carlos Albano, do Unibanco. Outras companhias vieram a mercado fazer novas emissões apenas de recibos. No total, foram lançados 2,576 bilhões de ADRs brasileiros, frente aos 2,054 bilhões de 2003.