Título: BNDES empresta menos para pequena empresa
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2006, Brasil, p. A3

A combinação da crise do agronegócio com a sobrevalorização cambial provocou um ciclo de queda nos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para as micro e pequenas empresas que já dura quase dois anos. Em 2004, o banco marcou seu recorde de desembolsos para o segmento, tanto em termos absolutos (R$ 9,585 bilhões) como na proporção dos seus empréstimos totais (24,06%). No ano passado, os números caíram para R$ 7,894 bilhões e 16,80%, respectivamente. E de janeiro a outubro deste ano, os desembolsos somaram R$ 5,456, equivalentes a 15,62% do total.

Segundo o diretor da área de Operações Indiretas do BNDES, Maurício Borges Lemos, a crise do setor agropecuário provocou uma queda de 50% ao ano nas operações do Finame Agrícola (linha de financiamento indireto à economia rural) ao longo dos 18 meses encerrados em setembro deste ano.

A reversão do ciclo negativo do agronegócio, sinalizada pela recuperação dos preços das commodities no mercado internacional, já fez com que em outubro o balanço do Finame Agrícola fosse positivo em 10,1%, tendo emprestado R$ 160,7 milhões. Em outubro de 2005, os empréstimos foram de R$ 145,9 milhões.

Mas os números dos desembolsos para a compra de máquinas e implementos agrícolas seguem amplamente negativos, tendo ficado em R$ 1,122 bilhão de janeiro a outubro, diante de R$ 1,837 bilhão no mesmo período do ano passado, uma diferença de 39%. E quando se compara o ano todo de 2005 com o pico de 2004, o "crash" do campo fica ainda mais evidenciado.

O Finame Agrícola desembolsou R$ 2,185 bilhões de janeiro a dezembro do ano passado, menos da metade dos R$ 4,568 bilhões emprestados durante o ano anterior. De acordo com Borges Lemos, o peso maior da queda deu-se nas operações com pessoas físicas, modalidade que atende aos pequenos proprietários rurais.

Em decorrência direta do fraco desempenho da economia rural, o BNDES viu caírem também as operações de financiamento para a compra de caminhões (Moderfrota) pelas micro e pequenas empresas e pelos caminhoneiros autônomos.

Além do problema no campo, o BNDES atribui parte do mau desempenho do Moderfrota ao aumento dos empréstimos para financiar a compra de vagões. Ou seja, o trem pode estar ganhando uma parte da carga rodoviária, algo sempre desejado pelos especialistas em logística do país.

"A crise do campo explica 90% da queda dos financiamentos aos pequenos", disse Borges Lemos. Segundo ele, as explicações complementares vêm da logística e do impacto do dólar barato, que facilita as importações de máquinas pelos pequenos usuários e dificulta as exportações pelos pequenos fabricantes.

"Há um esforço muito grande para expandir (os empréstimos) para a micro, a pequena e também para a média empresa", ressaltou Borges Lemos. Para ele, os números mostram que nos próximos seis meses o essencial do problema estará resolvido. "O resto é secundário, são ajustes que se pode fazer", disse.

O diretor do Departamento da Micro, Pequena e Média Indústria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Milton Bogus, concorda que o câmbio é um dos fatores decisivos para a queda dos empréstimos para a micro e a pequena empresa. Mas há outros, segundo ele, começando pelos ainda elevados "spreads" bancários, apesar do esforço do BNDES para redizi-los e também para baixar sua taxa de juros básica, a TJLP.

Outro obstáculo, na avaliação de Bogus, é a informalidade que dificulta para a empresa o cumprimento das exigências cadastrais. Daí, a importância da nova legislação do setor, o chamado Supersimples que, baixando a tributação, vai aumentar o volume arrecadado graças ao aumento da formalização, prevêem os empresários.

Bogus destacou os esforços que o BNDES vem fazendo para, em conjunto com os empresários, encontrar alternativas que facilitem a vida das pequenas empresas, incluindo a criação das salas de crédito, onde o pequeno empresário tem ao mesmo tempo contato com todas as partes envolvidas na operação.

A Fiesp quer ainda a expansão do cartão de crédito do BNDES, em volume e em abrangência, e uma solução sem aval do Tesouro Nacional para viabilizar o seguro de crédito. A proposta de Bogus é de que o "funding" saia de uma parcela mínima (0,3%) dos grandes empréstimos do BNDES. Borges Lemos disse, sem se posicionar sobre a proposta, que o banco está trabalhando na busca de uma alternativa.

Para o empresário Lucas Isoton Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo (Findes) e da Comissão Temática Permanente da Micro e Pequena Empresa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o problema dos micro e pequenos empresários começa na baixa disponibilidade de crédito em geral no Brasil. O crédito representa no país cerca de 32% do Produto Interno Bruto (PIB), diante de até 120% em alguns países ricos.

Isso, segundo ele, faz com que 49% das micro e pequenas empresas morram com dois anos de vida e 60%, com quatro anos. Para ele, o grau de exigências cadastrais ainda é um dos principais obstáculos ao acesso dos pequenos ao dinheiro do BNDES.

"Às vezes uma empresa não consegue obter um empréstimo de R$ 100 mil porque está devendo R$ 5 mil. A gente sugere que o débito seja abatido diretamente do novo crédito", argumenta Vieira. Para ele, "falta consciência de que a pequena empresa precisa ser tratada de forma diferenciada, da mesma forma que uma criança e um adolescente".