Título: Empresários se queixam de "competição acirrada"
Autor: Galvão, Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2006, Brasil, p. A3

Pequenos e médios empresários de 16 setores da indústria afirmam que "competição acirrada" é o segundo maior problema que enfrentam, sendo que o primeiro é a pesada carga tributária. Esse sentimento de dificuldade com a concorrência vem se consolidando como obstáculo relevante para empreendedores, que têm pouca perspectiva de desenvolvimento do seu negócio em uma economia que sofre de falta de crescimento. Esse é um dos resultados da pesquisa Sondagem Industrial, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), baseada em 1.581 entrevistas, realizadas entre os dias 3 e 20 de outubro.

No grupo das 1.366 indústrias de pequeno e médio porte ouvidas, o maior problema é a pesada carga tributária. Em seguida, vem o que chamam de "competição acirrada". O economista da CNI, Renato da Fonseca, não tem uma interpretação desse resultado, mas esclarece que não se trata de competição desleal e também não é concorrência desequilibrada pelo câmbio. Para as queixas contra a excessiva valorização da moeda brasileira, há outra alternativa a ser escolhida no questionário. Competição acirrada, segundo o que apurou a CNI, atrapalha mais pequenos e médios industriais do que juros, falta de demanda, falta de capital de giro, custo da matéria-prima e câmbio.

O relato mais revelador é do presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), Merheg Cachum. Disse que é melhor ser sócio de um negócio sólido que dono de um empreendimento sem perspectiva. Mas lamenta que "todo mundo quer ter cartão de presidente". Na indústria de transformação do plástico, 86% das 8,4 mil empresas são pequenas (têm até 20 empregados). Do lado das políticas públicas de desenvolvimento industrial, Cachum critica a falta de acesso a crédito para inovação tecnológica e incentivo ao investimento.

O diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, informa que, no segmento do vestuário, o mais pulverizado, mais de 90% das empresas estão enquadradas no regime tributário do Simples, mas alerta que não há uma "porta de saída". Para pagar menos tributos, ocorre uma proliferação exagerada de pequenos negócios que poderiam estar mais consolidados. Esse quadro é agravado com o baixo crescimento da economia. Para Pimentel, o modelo brasileiro é o da "síndrome de Peter Pan": a empresa não pode crescer para não perder vantagens tributárias.

Segundo a Abit, as mais de 20 mil empresas de confecção do Brasil empregam, em média 57 pessoas, o que representa 17% de todo o emprego industrial. Pimentel ainda diz que, sem crescimento econômico suficiente, a parcela da renda das famílias que antes era destinada ao consumo de roupas, agora é direcionada, por exemplo, para o pagamento dos telefones celulares e outras novas demandas.

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes (Abir), Hoche Pulchério, afirma que, no seu setor, competição acirrada é o que vem matando muitas pequenas empresas que baixam seus preços a níveis insustentáveis. O segmento tinha, em 1990, cerca de 50 fabricantes no país, mas com a chegada das embalagens plásticas descartáveis, o número de indústrias de refrigerantes saltou para cerca de 850 em 2003. Atualmente, baixou para 700.

A Abir estima que 25% dos empresários do setor sonegam tributos para oferecer preços mais baixos. Afinal, o estímulo é enorme, porque a carga de impostos representa 40% do preço final. "A guerra de preços entre as pequenas empresas não leva a nada, não constrói marcas. É um mata-mata", lamenta.

Elizabeth Farina, economista especializada em concorrência e presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), afirma que a queixa sobre competição acirrada apurada pela CNI não representa uma contradição no comportamento dos pequenos empresários. Segundo ela, competição é uma ameaça ao lucro e obriga os agentes do mercado a lutar para obterem esses ganhos. Essa é a dinâmica saudável da economia que faz com que os empreendedores sejam obrigados a "continuar correndo nessa esteira", diz Elizabeth.

O economista e professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, Arthur Barrionuevo Filho, adverte que no cenário brasileiro, com demanda baixa e flutuante, dinheiro caro, carga tributária pesada e infra-estrutura ruim, as reclamações contra competição acirrada são reflexo da falta de perspectiva de crescimento da economia. Nesse ambiente adverso, aperfeiçoar a produção exige um fluxo de caixa mínimo para sobreviver. Mas, infelizmente, o que ocorre é a alta taxa de mortalidade de micro e pequenas empresas. "Não há lucro que pague os juros reais de, no mínimo, 10% ao ano cobrado pelos bancos para capital de giro das empresas", alerta o professor.

Na opinião de Barrionuevo, a ampliação do crédito, tão festejado pelo governo, tem beneficiado mais consumidores, empregados e pensionistas do INSS, que podem contar com os empréstimos consignados em folha de pagamento. As empresas, principalmente pequenas, estão ainda excluídas.

Para o diretor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Marco Antonio Reis, competição acirrada no seu segmento significa perda de mercado para produtos importados no fornecimento para as grandes companhias. A Abinee já está iniciando um programa de inserção internacional das pequenas e médias indústrias para tentar enfrentar melhor as importações.