Título: Mapa da estabilidade e violência política na América do Sul
Autor: Coutinho, Marcelo e Epsteyn, Juan Claudio
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2006, Opinião, p. A8

O nível de estabilidade política da América do Sul melhorou ligeiramente durante o primeiro semestre de 2006 com relação aos dois semestres do ano anterior. A região, no entanto, mantém-se instável, principalmente em alguns dos países andinos. Essas são as conclusões mais relevantes da primeira edição do Relatório Semestral sobre Estabilidade e Violência Política na América do Sul, publicado recentemente pelo Observatório Político Sul-Americano (OPSA), do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

A distensão do cenário político na Bolívia, como conseqüência das expectativas derivadas das eleições de dezembro de 2005, com a vitória do candidato popular, Evo Morales, e a descompressão do clima de instabilidade vivenciado durante todo o ano passado, explicam este leve progresso. Os demais países andinos reiteraram as circunstâncias ou contextos ocorridos durante todo o ano de 2005. A Venezuela continuou sem episódios críticos, fato que se mantém desde março de 2004, data em que ocorreram violentos protestos por uma suposta fraude no referendo para decidir sobre a diminuição do período do mandato presidencial. A guerra civil na Colômbia não teve pausa e, a despeito dos progressos na política de desmobilização dos paramilitares, verificou-se uma intensificação dos ataques das guerrilhas durante o primeiro trimestre do ano.

No Peru, apesar do clima distendido produzido pelas eleições de abril, foi prorrogado o estado de emergência decretado no ano passado em seis províncias, situadas nas regiões com maior produção ilícita de coca do país. Segundo fontes do governo, a medida foi implementada para enfrentar remanescentes do grupo Sendero Luminoso e narcotraficantes que desenvolviam atividades conjuntas. No Equador, a grave crise desencadeada com a destituição do presidente Lucio Gutiérrez, em abril de 2005, prosseguiu durante os primeiros quatro meses de 2006. Desta maneira, o governo de Alfredo Palacio teve que enfrentar fortes revoltas populares protagonizadas pelos movimentos sociais, que rejeitavam o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos e exigiam a nacionalização dos hidrocarbonetos. Apesar da diminuição no número de vítimas de violência política ocorrida durante o primeiro semestre de 2006 com relação ao ano passado, podemos afirmar que o Equador é o país mais instável da América do Sul.

-------------------------------------------------------------------------------- Crises institucionais são empecilhos a boa parte de países sul-americanos, mesmo num contexto de hegemonia democrática --------------------------------------------------------------------------------

Em contrapartida, o nível de estabilidade política dos países do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) permaneceu sendo muito positivo nos primeiros seis meses do ano, situação que vem se repetindo nos últimos três anos. Este panorama otimista é plenamente compatível com o baixo grau de violência política evidenciado nesses cinco nações. Com efeito, a grande maioria dos eventos de violência política ocorridos no Cone Sul foi de reduzida importância. Esta última constatação é corroborada pelo baixo número de mortos registrados e pela curta duração dos episódios de violência. A exceção, neste caso, foi o Chile. Durante o mês de maio, foram 30 os feridos por causa da repressão aos protestos estudantis realizados contra as tentativas do governo de levar adiante uma reforma educativa. Embora não atinjam a gravidade própria de uma crise institucional, esses acontecimentos indubitavelmente representam uma novidade substancial com relação à trajetória - até agora pacífica - que o Chile vinha transitando desde a recuperação da democracia.

A despeito da leve melhora no nível de estabilidade política da América do Sul evidenciado durante o primeiro semestre de 2006, a região em conjunto permanece instável, conservando, principalmente nos países andinos, vários focos de instabilidade latentes que poderiam se manifestar no futuro. A tranqüilidade política atingida pela Bolívia, por exemplo, tem se diluído no segundo semestre do ano, período que coincide com a inauguração da Assembléia Constituinte. Nesse sentido, a intenção de Morales de cumprir as promessas de campanha polariza ainda mais o cenário político, evitando soluções negociadas e baseadas no consenso. Os eventos violentos ocorridos no começo de outubro na denominada "Guerra do Estanho" constituem um exemplo desse dilema. No Equador, a proximidade das eleições, a paralisação do TLC com os Estados Unidos e as medidas contra algumas petroleiras estrangeiras têm colaborado com a calma relativa vivenciada no país desde maio. Mesmo assim, os problemas estruturais que durante os últimos anos contribuíram para o surgimento de uma insatisfação geral ainda persistem. A ausência de um vencedor na eleição de meados de novembro e o fato de o próximo candidato, que será eleito em um segundo turno bastante polarizado, não contar com uma forte legitimidade e com maioria no Congresso, são fatores que provavelmente dificultarão a governabilidade do país.

Na América do Sul, como em qualquer outra região do mundo, a estabilidade política constitui a condição mais básica para o desenvolvimento econômico e o progresso social. Estabilidade política não significa aprofundamento da democracia. A qualidade da democracia e a solidez das instituições dependem em maior medida da manutenção de um mínimo de estabilidade política, sem a qual não é possível garantir a previsibilidade necessária para o convívio harmônico entre os agentes econômicos e sociais e o governo. Guerras civis, golpes de Estado, revoltas sociais, estados de exceção e outras crises institucionais, além da violência política decorrente destas crises, são os principais empecilhos que ainda enfrenta boa parte dos países sul-americanos, inclusive num contexto marcado pela hegemonia da democracia. A compreensão e análise dos indicadores de instabilidade política representam, portanto, uma tarefa de grande relevância para conhecer o futuro político e econômico da região sul-americana.

Marcelo Coutinho é coordenador do Observatório Político Sul-Americano e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

Juan Cláudio Epsteyn é pesquisador do Observatório Político Sul-Americano e doutorando em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.