Título: Itália morde, premiê assopra
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 05/01/2011, Política, p. 9

Enquanto o governo encaminhou oficialmente ao STF brasileiro um pedido para que ex-ativista siga preso até o plenário julgar o caso, Berlusconi diz que decisão de Lula não afeta as relações com o Brasil Inconformado com a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti, o governo da Itália apresentou ontem um documento ao Supremo Tribunal Federal (STF), no qual pede que o italiano continue preso até que o plenário da Corte tome uma decisão definitiva. Assinado pelo advogado Nabor Bulhões, o texto rebate os argumentos da defesa de Battisti, que, na segunda-feira, protocolou no STF um pedido de soltura imediata em favor do italiano.

Em meio a pressões exercidas por todos os lados, o presidente do Supremo, Cezar Peluso, desarquivou ontem o processo de extradição, que já havia sido encerrado pela Corte, em 2010. O ministro determinou que as petições das defesas de Battisti e da Itália sejam juntadas ao processo, que será encaminhado ao gabinete da Presidência. A tendência é que Peluso envie o caso para o relator do processo, Gilmar Mendes, que só volta a trabalhar em 1º de fevereiro, quando termina o recesso do Poder Judiciário. Enquanto isso, Battisti continuará preso na Papuda, onde está desde março de 2007.

Ontem, pela primeira vez desde a decisão de Lula sobre Battisti, o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, comentou o caso. Ele assegurou que as relações diplomáticas com o Brasil não serão afetadas, embora tenha dito que pretende apelar à Corte Internacional de Justiça, em Haia. ¿Esse tema não se refere às boas relações que temos com o Brasil, mas é um caso de Justiça. Por isso, as nossas relações com aquele país não mudarão¿, disse Berlusconi, em entrevista, depois de se encontrar com Alberto Torregiani, vítima de um dos ataques atribuídos a Battisti. Na ocasião, ele ficou paraplégico e perdeu o pai.

Torregiani liderou ontem uma manifestação em frente à Embaixada do Brasil em Roma, na Praça Navona. Outros protestos contra a decisão de Lula também ocorreram em Milão e em Turim. Battisti é acusado de quatro assassinatos no fim da década de 1970. Ele sempre negou os crimes. Na Itália, foi condenado à revelia à prisão perpétua.

Ao entrar com o pedido para que Battisti permaneça detido, a defesa do governo italiano argumentou que somente o STF tem competência para revogar a prisão do ex-ativista, já que foi o tribunal o responsável pelo decreto de prisão que mantém Battisti detido. ¿Não se afigura minimamente razoável pleitear-se autorização para que o Poder Executivo possa revogar uma prisão decretada pelo STF. Como é de obviedade plena, só quem pode decretar e simetricamente revogar prisão, segundo a ordem jurídica constitucional brasileira, é o Poder Judiciário¿, destaca trecho da peça apresentada pelo advogado Nabor Bulhões.

Ele avisou que entrará nos próximos dias com um recurso no Supremo em que contestará a decisão tomada por Lula em 31 de dezembro, último dia de seu governo. Na ocasião, o então presidente seguiu recomendação da Advocacia-Geral da União (AGU), que o aconselhou a deixar Battisti no Brasil, sob o risco de o ex-ativista ser ¿submetido agravamento de sua situação pessoal¿.

A defesa de Battisti não comentou a intervenção da Itália junto ao STF, na tentativa de mantê-lo preso. A advogada de Battisti, Renata Saraiva, disse esperar que o presidente do Supremo, Cezar Peluso, se manifeste sobre o caso ¿o quanto antes¿, preferencialmente antes do fim do recesso do Poder Judiciário. ¿Confiamos que o STF vai expedir o alvará de soltura em cumprimento à decisão do ex-presidente da República, que foi rigorosamente pautada pelos parâmetros jurídicos fixados pelo STF¿, afirmou a advogada.

Entenda o caso

Confira a trajetória do ex-ativista Cesare Battisti desde o fim da década de 1970:

» 1978/1979 ¿ Membro do grupo de extrema esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), Battisti é acusado de cometer quatro homicídios na Itália. Ele teria assassinado o agente penitenciário Antonio Santoro, em Udine; o açougueiro Lino Sabbadin, em Mestre; o joalheiro Pierluigi Torregiani, em Milão; e o agente de polícia Andrea Campagna, também em Milão

» 1979 ¿ O ativista é preso na Itália

» 1981 ¿ Battisti foge da cadeia e vai para a França. De Paris, segue para o México, onde fica na condição de fugitivo até 1990

» 1987 ¿ É condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana

» 1990 ¿ Volta à França e recebe o status de refugiado, concedido pelo presidente François Mitterrand. Em Paris, trabalha como escritor, editor e zelador de um prédio

» 2004 ¿ O governo da França decide rever a situação de Battisti e opta por extraditá-lo. E, então, foge para o Brasil, onde é preso somente em 2007, em Copacabana, no Rio de Janeiro, com passaporte falso

» 2007 ¿ Em março, o ex-ativista é transferido do Rio para o presídio da Papuda, em Brasília, onde está até hoje

» 2009 ¿ Em janeiro, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concede refúgio a Battisti. Em novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga pedido de extradição apresentado pela Itália. Ministros revogam refúgio e, por 5 votos a 4, autorizam a extradição, mas deixam a palavra final para o presidente da República

» 2010 ¿ No último dia antes de deixar o cargo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nega o pedido de extradição de Battisti