Título: Ações que dão samba
Autor: Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2006, EU & Investimentos, p. D1

Planejamento com muita ousadia/consciência exportadora pra lucrar... Quando os executivos de uma gestora carioca voltaram de uma Assembléia Geral Ordinária da Souza Cruz cantarolando esse sambinha, ninguém no escritório entendeu nada. Mas eles logo explicaram que o tal samba, que ficou na cabeça deles, era do "Comandante". Ah, bom! Presença garantida nas assembléias das maiores companhias abertas sediadas no Rio, o acionista minoritário Gilberto Esmeraldo - ou o Comandante, como é conhecido por ser capitão-de-mar-e-guerra aposentado pela Marinha - arranjou dois hobbies para sua aposentadoria: freqüentar as assembléias gerais das companhias abertas nas quais investe há mais de 30 anos e compor sambas. Não satisfeito, decidiu unir as duas coisas.

O resultado são verdadeiros "sambas-enredo" que contam a história das empresas nas quais ele investe, como a CSN, Petrobras, CPFL, Souza Cruz e Bradesco . Aos 64 anos, filiado à Associação dos Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) e aposentado desde a década de 90, Esmeraldo compõe as músicas no piano herdado do avô - que data de 1853 - e todas estão devidamente documentadas em CDs nos quais o investidor contou com a interpretação do puxador de samba da Estação Primeira de Mangueira, José Luiz Pereira da Silva, o Luizito. "Os sambas contam a história das empresas, que muita gente não conhece. Acaba ficando como um hino, eles levantam a auto-estima da companhia e do funcionário", acredita Esmeraldo.

No momento, ele está concentrado na composição do samba da Vale do Rio Doce. "Já mostrei uma parte para o Roger (Agnelli, presidente da Vale), acho que ele gostou", acredita Esmeraldo, que apresentou um trecho da obra na última assembléia. Há testemunhas. "É verdade, ele falou pro Roger que estava compondo o samba", conta um outro sócio de uma gestora de recursos. "Ele e o Teixeirinha (outro minoritário) já são conhecidos nas assembléias, eles sempre fazem questão de falar e registrar comentários em ata".

Depois do samba da Vale, Esmeraldo pretende trabalhar nos temas da Unipar, Eletrobrás e Telemar. Já o samba da Petrobras, ele garante que foi cantado "de ponta a ponta" pelo então presidente José Eduardo Dutra, numa festa da companhia num clube, que contou com a presença da bateria da Mangueira. "Ele e os funcionários ficaram emocionados", orgulha-se o Comandante.

Mas Esmeraldo diz que não é só samba que faz nas assembléias. "Falo muito, dou sugestões", diz ele, que garante que o desdobramento de ações da Vale e da Petrobras, por exemplo, era sugestão que fazia há muitos anos. Ele afirma ressaltar sempre a importância das boas práticas de governança corporativa. E que nunca se sentiu discriminado por ser pequeno acionista. "Acho que eles gostam que eu vá, todo acionista devia ir, não dá para entender a fundo uma empresa sem conhecer pessoalmente, tem muito analista que dá palpite sem nunca ter ido na companhia, eu prefiro ir lá saber eu mesmo", ensina o compositor.

Com as ações, ele diz que consegue manter um pouco do seu padrão de vida . "A aposentadoria é um valor pequeno, com as ações e os dividendos dá para melhorar um pouco", diz. Ele se considera um investidor conservador, que sempre comprou e evitou vender os papéis. "Meu horizonte é de longo prazo, agora que estou aposentado é que vendo de vez em quando algumas ações quando preciso do dinheiro", explica. Ele compra apenas ações ordinárias, com direito a voto, justamente para poder ir nas assembléias votar.

Para saber as datas dos encontros, ele monitora os jornais diariamente e marca na agenda. "Acho que ele e os amigos só faltam quando tem duas assembléias no mesmo dia e horário", conta um conselheiro que também participa de várias empresas. O outro participante fiel das assembléias, junto com Esmeraldo, é Teixeirinha, ou José Teixeira. Sempre de terno, bem arrumado, Teixeirinha, que comanda um programa de rádio e tem por hábito fazer discursos, garante que possui mais de 170 papéis na sua carteira de ações. "Acho que já fui há mais de 100 assembléias", conta Teixeirinha. Já Esmeraldo tem perfil mais seletivo e possui pouco mais de dez empresas e estima que, por conta disso, compareça a, no mínimo, dez assembléias por ano. Na da Telemar, na última segunda-feira, eles estavam lá como de costume e disseram ter sido o maior encontro de acionistas do qual já participaram.

Outras assembléias que costumam ser um pouco mais concorridas, segundo eles, são as da Petrobras. "Essas às vezes têm mais gente e têm sempre o pessoal da Associação dos Engenheiros que gosta de apresentar algum ponto", diz Esmeraldo.

A única coisa que desagrada aos dois é quando a empresa decide fechar capital, como ocorreu com a White Martins, de gases industriais, e, mais recentemente, com a Embratel. "Aí eu não gosto, empresa tem de ser de capital aberto, isso é mais transparente, a gente pode acompanhar o crescimento", diz o Comandante, que sonha em ver mais assembléias lotadas, como a da Telemar na semana passada. "As pessoas têm que participar mais", conclui.