Título: Constantina vive euforia com crédito imobiliário
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2006, Finanças, p. C8

Constantina, pequeno município no norte do Rio Grande do Sul, vive as alegrias e as dores de um "boom" de crédito imobiliário. A construção civil está aquecida a uma temperatura tal que, por falta de mão-de-obra, alguns projetos estão sendo adiados. Numa cidade que tinha apenas quatro lojas de materiais de construção, agora são oito - ainda incapazes de atender, satisfatoriamente, à demanda. Um lote de 500 metros quadrados numa área de classe média, que há dois anos valia R$ 6 mil, hoje dificilmente é vendido por menos de R$ 18 mil, quando se encontra algum disponível para comprar.

Relatos semelhantes são ouvidos em outras localidades da região de Passo Fundo, e também em outros Estados, como alguns municípios nas redondezas da paranaense Cascavel. São o retrato de um renascimento - ainda que bem menos intenso no resto do país - do crédito imobiliário, que na década de 80 equivalia a 10,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e que, em meados de 2004, havia chegado ao seu valor mais baixo, com 1,4% do PIB. Os empréstimos contratados nesse ano, que já somam R$ 19 bilhões, ou 1% do PIB, já têm sido suficientes para dar um novo ânimo ao mercado de trabalho.

Os dados do Ministério do Trabalho registram a contratação de 131,4 mil empregados na construção civil em todo o Brasil, de janeiro a setembro passados, 22% acima do mesmo período de 2005. As estatísticas oficiais divulgadas em Brasília, porém, deixam de incluir o ex-agricultor Dionísio Bedin - um dos mais requisitados pedreiros do município, que não tem registro em carteira. "Estou passando serviços adiante porque não dou conta de tudo", conta Bedin.

Embora a principal fonte dos financiamentos à habitação na cidade seja o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), os trabalhadores em Constantina são quase todos contratados de maneira informal, por empreitada. As estatísticas do Ministério do Trabalho, que englobam apenas os empregos com carteira assinada, registram apenas quatro contratações neste ano na cidade. Mas contam-se nas ruas de Constantina pelo menos 200 outras pessoas trabalhando de maneira informal, em um município com 11,6 mil habitantes.

Diante da falta de mão-de-obra, a prefeitura decidiu deixar para mais tarde a construção de 28 novas casas, que têm financiamento garantido na Caixa Econômica Federal. "Vou dar uma segurada nesses projetos até que os pedreiros vençam o serviço que já está em andamento", afirma o secretário de Planejamento do município, Guerri Sawariz.

Os financiamentos habitacionais provocaram um efeito multiplicador sobre a economia local porque o dinheiro é entregue diretamente para o dono da futura moradia, que administra a obra, sem o envolvimento direto da Prefeitura no serviço de construção - salvo em algumas obras de apoio, como terraplanagem. O mutuário contrata diretamente os pedreiros e compra os materiais, e o dinheiro é liberado pela Caixa conforme o andamento da obra. É isso que explica a dominância dos empregos informais na construção.

As lojas de materiais de construção vivem um período de euforia, o que incentiva o ingresso de novos empreendedores. O administrador de empresas Marialvo Cazarotto, sócio de uma empresa de informática, resolveu se aventurar no ramo em agosto de 2005. Comprou uma loja decadente e, após agregar uma pequena empresa de construção ao empreendimento, fez o seu faturamento se multiplicar por oito. Ao todo, 35 pessoas estão empregadas no negócio, incluindo atendentes da loja, entregadores e trabalhadores da construção civil. "Estamos sentindo a falta de engenheiros na cidade", afirma Cazarotto, que na semana passada podia ser encontrado medindo uma área no distrito industrial de Constantina, que vai abrigar uma fábrica de pré-moldados.

O "boom" imobiliário não chega a provocar falta de materiais de construção, exceto alguma pressão no mercado de areia e de tijolos furados. A oferta dos produtos localmente é limitada, e os custos com transportes para trazer de outras regiões, elevados.

Existem duas fábricas de tijolos furados que, apesar da expansão na capacidade de produção ocorrida em anos recentes, não dão conta do recado. "Os tijolos saem direto do forno para os caminhões", conta Nildo Zanella, segunda geração da olaria Zanella & Zanella, fundada em 1961. A produção foi recentemente elevada de 180 mil para 320 mil tijolos por mês, o numero de empregados passou de 10 para 21 e, nos últimos dias, um forno estava sendo reconstruído para esticar a capacidade de produção em mais sete mil tijolos.

O preço dos tijolos está em ascensão nos últimos anos. Hoje, custa R$ 160 o milheiro no atacado, acima dos R$ 140 cobrados no ano passado e dos R$ 130 de dois anos trás. Segundo os lojistas do ramo de materiais para construção, a equação fecha enquanto as olarias da cidade forem capazes de vender o milheiro por até R$ 160 - por R$ 190, é possível obter o produto de uma cidade vizinha, incluindo o frete.

A aritmética é um pouco mais complicada no transporte de areia. Não há fonte disponível na região, e o produto tem que ser obtido a cerca de 300 quilômetros. O frete corresponde a 80% do preço pago pelos lojistas, o que atraiu o interesse os caminhoneiros que carregam soja - ainda uma das principais riquezas agrícolas da região - e voltavam sem carga. O esquema não tem funcionado muito bem nas últimas semanas, época de plantio, quando os caminhoneiros preferem trazer adubo, produto de maior valor agregado.

O estoquista Áureo Pin percebeu que algo muito forte estava acontecendo no setor de construção civil quando trabalhava em uma empresa que comercializa soja. Caminhão de soja atrás de caminhão soja chegava na cidade carregado de areia. "Obviamente, era para construir casas, porque ninguém precisa de tanta areia para encher aquário", afirma Pin. A empresa em que ele trabalhava, especializada em soja não transgênica, fechou as portas por falta absoluta de matéria-prima na região, e Pin arrumou emprego em uma loja de materiais para construção.

Os empregos na construção

civil - ainda que a maior parte deles precários - estão sendo bastante bem-vindos para atenuar um período particularmente difícil da economia de Constantina. A queda do preço da soja, a valorização do dólar e algumas secas reduziram a renda de agricultores, formada por pequenos proprietários.

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Para piorar as coisas, o município, que até recentemente era uma fronteira de mão-de-obra barata e qualificada para indústrias de calçados que fugiam dos altos de produção de regiões mais tradicionais no setor, como Novo Hamburgo, agora está perdendo terreno para municípios no Nordeste. A Dal Ponte, fabricante de calçados esportivos que patrocina a seleção brasileira de Futsal, transferiu suas atividades para a Bahia, fechando 100 postos de trabalho em Constantina. Parte da mão-de-obra foi absorvida pela construção civil.

"Alguns municípios da região perderam até 20% de sua arrecadação de ICMS em virtude dessas crises, como a da soja", afirma o prefeito de Constantina, Francisco Frizzo (PT). "Nossa arrecadação permaneceu constante graças à construção civil e à maior diversificação na agricultura, que está ficando menos dependente da soja."

Com forte tradição cooperativista e localizada num dos berços do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Constantina tem mostrado uma notável capacidade para contratar financiamentos habitacionais.

Uma cooperativa do município, a Cresol, disputou e venceu os leilões feitos pelo Tesouro Nacional para a distribuição de subsídios aos financiamentos à habitação de interesse social. É um programa que, em termos nacionais, ainda movimenta relativamente poucos recursos, mas que é considerado por especialistas como muito eficiente porque trabalha com as forças do mercado. Os leilões estão abertos a instituições financeiras públicas e privadas, oferecendo subsídios de até R$ 6 mil por moradia. Ganha quem se dispõe a financiar moradias com juros menores.

A Cresol de Constantina - que faz parte de um sistema de cooperativas com o mesmo nome que operam no Sul do país - conseguiu subsídios para cinco projetos, que, no total, financiam a construção de 104 moradias. Como contrapartida, ofereceu financiamentos de R$ 3,2 mil por moradia, com juros fixos de 6% ao ano. O empréstimo é pago em 72 parcelas de R$ 58, que não cobrem os custos operacionais da cooperativa. "Perdemos R$ 600 em cada financiamento", afirma o vice-presidente da cooperativa, Dani Carlos Villa. "Não somos banco, somos cooperativa, e estamos interessado no desenvolvimento dos associados."

A Prefeitura contratou vários financiamentos da Caixa, a juros subsidiados, com recursos do FGTS. Os projetos em andamento prevêem a construção de 73 casas, e todas eles envolvem alguma contrapartida do município, como a doação de terrenos ou a simples terraplanagem. Os números da Caixa comprovam que Constantina tem sido mais bem-sucedida que os vizinhos em contratar financiamentos. Ficou com 40% dos recursos emprestados para moradia pela agência local, que atende também a outros seis municípios da região.

"Já temos pedidos de financiamento acumulados para serem analisados até o primeiro semestre de 2007", afirma a gerente da Caixa de Constantina, Ione Maria da Rosa. "Só não contratamos tudo de uma vez porque a demanda é muito maior do que a nossa capacidade de trabalho."

Os financiamentos habitacionais estão chegando também à classe média. Um grupo de oito funcionários públicos, por exemplo, uniu esforços para comprar um lote, que foi desmembrado em terrenos menores. Metade deles construiu com recursos próprios e metade buscou financiamentos nos bancos instalados na cidade, como o Banrisul e a própria Caixa.

O financiamento imobiliário tradicional, com recursos da caderneta de poupança, é uma alternativa pouco usada. A Caixa, por exemplo, emprestou apenas R$ 291 mil nessas linhas em 2006 - número não-desprezível, já que corresponde ao triplo da meta estabelecida para a agência.

A professora Marialena Guedina Santin, depois de analisar as linhas disponíveis de crédito imobiliário e de crédito consignado, resolveu tomar um empréstimo pessoal de R$ 20 mil na cooperativa Cresol, com juros mensais de 1,58% ao mês. "Preferi um empréstimo que pagasse mais rápido", explica Marialena.

A classe média alta está sendo atendida pelo primeiro edifício da cidade, financiado diretamente pela construtora. Com sete andares e uma galeria comercial no térreo, já teve 60% de suas unidades residenciais vendidas, todas com 160 metros quadrados e servidas por elevador - uma novidade em Constantina. "Foi difícil vender os primeiros apartamentos porque ninguém estava acostumado a idéia de comprar um imóvel na planta", afirma Gieri do Amaral, da Ana Terra Imóveis. "Depois que o prédio começou a aparecer, ficou um pouco mais fácil."

Uma das ameaças contra o "boom" da construção civil em Constantina é a especulação imobiliária. Os terrenos se valorizaram perto de 300% em dois anos, e pequenos investidores - a maioria migrados que trabalham em São Paulo e Rio de Janeiro - estão comprando lotes com o objetivo único e exclusivo de lucrar com a valorização.

Não falta, porém, demanda para novos imóveis que venham a ser construídos nos próximos anos. Antes do início da euforia em Constantina, havia 100 pessoas inscritas na Prefeitura para ter apoio para comprar ou construir uma casa própria. Foram praticamente todos atendidos. Mas, depois começaram a subir paredes e telhados em toda a cidade, outras 400 pessoas já se inscreveram. Uma parte deles ficou sem moradia depois que foram removidos de uma área indígena dos índios caigangues. Outra parte se origina do êxodo rural - as novas gerações estão mudando do campo para a cidade.