Título: Relatório de acidente da Gol não fala em culpados
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2006, Brasil, p. A5

O Boeing 737-800 da Gol e o jato Legacy da empresa americana ExcelAire se chocaram com as suas respectivas asas esquerdas, provocando a imediata perda de controle da aeronave do vôo 1907 e um mergulho praticamente vertical até o chão. A hipótese mais provável é que o avião da Gol, com 154 pessoas a bordo, tenha se desintegrado no ar, a 7.887 pés (cerca de 2.500 metros) de altitude. O indício disso é que foi nesse exato momento que o sistema de gravação dos dados de voz (VCR) parou de funcionar, supostamente devido ao rompimento das conexões elétricas espalhadas pela aeronave, devido à desintegração.

Os destroços do Boeing foram encontrados a seis quilômetros do ponto de colisão, a 37 mil pés de altitude , reforçando a tese de uma queda bastante acentuada - se tivesse ocorrido na diagonal, provavelmente os destroços estariam em locais mais distantes. A análise do cilindro de voz do avião da Gol não indica pânico da tripulação, pois o que se registra são momentos de silêncio após o impacto. Em seguida, um forte ruído, e não está descartada a possibilidade de esse barulho ter encoberto eventuais diálogos na cabine do Boeing.

O piloto e co-piloto da Gol não viram a aproximação do jato executivo. Não foi feita nenhuma manobra ou ação evasiva para evitar a colisão, conforme indica o relatório preliminar da comissão, apresentado ontem pelo coronel Rufino da Silva Ferreira. Ele informou que o relatório final só sairá dez meses após o acidente, que ocorreu em 29 de setembro.

Ferreira atribuiu o choque a uma série de erros, mas disse que o objetivo da comissão não é encontrar culpados. "Não é o propósito desta atividade o apontamento de culpa ou responsabilidade civil", frisou o coronel. Pela primeira vez, a Aeronáutica não descartou a existência de "pontos cegos" no controle de tráfego aéreo. Essa hipótese está sendo levantada porque a colisão ocorreu justamente na faixa de transição entre o Cindacta-1 (Brasília) e o Cindacta-4 (Amazônia), que teoricamente se sobrepõem.

Às 15h55 (horário de Brasília), pouco mais de uma hora após a decolagem de São José dos Campos, o Legacy ingressou na aerovia UZ6 e manteve o nível 370 (37 mil pés), "sem solicitar ou receber qualquer instrução do Centro de Brasília", segundo o coronel Rufino. O Boeing da Gol alcançou a mesma altitude e entrou na mesma aerovia às 15h58, condição mantida até a colisão.

Entre 16h26 e 16h52, o centro de controle aéreo e o Legacy fizeram 19 tentativas de comunicação, todas sem sucesso. O Legacy ouviu a última chamada "às cegas" (sem resposta) do centro de Brasília, orientando a tripulação a entrar em contato com os controladores de Manaus e dando duas radioqüências para isso. A partir de 16h53, o jato executivo pede ao Centro de Brasília para repetir os decimais da primeira radioqüência sugerida, por não ter conseguido copiá-los a tempo. Nesse momento, foram feitas sete tentativas frustradas de contato pelo Legacy. A última delas ocorreu às 16h56m53s - exatamente um minuto antes do choque. Os controladores de Brasília não receberam essas mensagens.

Rufino confirmou que o plano de vôo do Legacy previa altitude de 37 mil pés até Brasília, 36 mil de Brasília até Teres (ponto cartográfico 480 quilômetros a noroeste da capital) e e de 38 mil dali até Manaus, mas disse que qualquer conclusão neste momento seria prematura. A falha na comunicação entre controle aéreo e o jato faz com que a Aeronáutica deixe de descartar a possibilidade do "ponto cego", mas o coronel mostrou-se prudente. "A entrevista [que vamos fazer] com os controladores é fundamental."