Título: Coalizão política eleva gasto público, diz professor da FGV
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2006, Brasil, p. A4

No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o total de ministérios "gastadores" aumentou de 20 (média do último governo Fernando Henrique Cardoso) para 25. Junto com este aumento, ampliou-se para sete a quantidade de partidos políticos que integram a base de apoio do presidente e que comandam algum destes ministérios - classificados como aqueles que ordenam despesas e não gerenciam o caixa do governo.

Essa tendência de aumento dos partidos na base política do governo e de sua representação no mesmo não começou no atual governo, mas cresceu ao longo dele. E para o professor Paulo Arvate, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), ela também ajuda a explicar o aumento das despesas de custeio do governo federal, e também a dificuldade em fazer um ajuste fiscal efetivo nas suas contas. "Cada vez que a coalizão política aumenta, para poder governar e acomodar essas forças, o tamanho do governo aumenta", argumenta Arvate.

Essa é uma das razões, na sua avaliação, pelas quais um ajuste fiscal duradouro, e que realmente leve a um corte expressivo nas contas do governo federal, deve passar pelo Congresso Nacional. A parcela de ajuste que pode ser feita apenas com melhoria da gestão e maior eficiência do poder executivo, para ele, é limitada. O diretor da Escola de Economia da FGV, Yoshiaki Nakano, discorda. Ele avalia que o espaço de ajuste fiscal que prescinde do Congresso Nacional é muito grande. É possível, inclusive, zerar o déficit nominal sem aprovação de reformas ou de emendas constitucionais.

O debate entre Arvate, Nakano e outros economistas foi travado na terça-feira, no Instituto Fernando Braudel, em evento de lançamento do livro "Gasto Público Eficiente", organizado pelo consultor do Senado, Marcos Mendes, e que tem Arvate como um dos autores. O texto em que ele correlaciona custeio público e coalizão política, contudo, não compõe o livro. No documento, Arvate mostra que apesar da privatização de quase 120 estatais federais nos últimos 20 anos, o custeio da União e de suas estatais manteve-se em 20% do PIB. Ou seja, o governo vendeu empresas, mas não encolheu.

Embora Nakano considere que um ajuste fiscal prescinde do Congresso, ele concorda com a tese de que o aumento da coalizão necessária para sustentar os governos tem sido uma das causas do aumento dos gastos públicos.

Para Mendes, a tese defendida por Nakano - de que é possível fazer um ajuste fiscal profundo apenas com medidas de gestão e com cortes de gastos, incluindo redução de pessoal e contratação de terceiros, se necessário - é insuficiente. Há medidas, diz ele, que dependem do Congresso. Até porque elas exigem um consenso da sociedade de que elas são necessárias.

Para Mendes, não é factível pensar que o déficit nominal pode ser eliminado em um ano. Apostar em um corte tão drástico, diz, significa fazer um ajuste de qualidade muito ruim, com corte de investimento e aumento de impostos. "Não estamos vivendo uma crise, então o correto é planejar um ajuste de médio e longo prazo, definindo prioridades para serem discutidas e votadas no Congresso", observa.

A partir dos textos constantes do livro, Mendes elencou quatro pontos necessários para nortear o ajuste fiscal: precisa desmontar os mecanismos que concentram renda na sociedade brasileira (como os altos salários de algumas categorias do funcionalismo e o ensino público superior gratuito, que acaba beneficiando os ricos); deve ter uma política social que ajude os pobres a sair da pobreza; que tenha políticas públicas sustentáveis ao longo do tempo (na Previdência, em especial) e que garanta a eficiência do gasto público.

O professor e deputado federal Antonio Delfim Netto (PMDB-SP) não acredita que medidas como as propostas pela equipe econômica ao presidente Lula na área da Previdência (desvinculação do salário mínimo do piso da Previdência e aumento da idade mínima) sejam aprovadas pela sociedade. Ele defende "senso prático". "Politicamente, o presidente Lula não foi eleito para cortar, ele não recebeu essa autorização", argumenta.

Por isso, ele vê como única solução um programa claro e transparente de controle da evolução das despesas públicas, evitando aumento real (só correção pela inflação) e exigindo um aumento de produtividade em torno de 1,5% ao ano nos programas federais. "Ao longo de quatro anos, é possível redução expressiva em proporção do PIB", avalia o deputado.