Título: Debate técnico emperra licenças do Madeira
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2006, Especial, p. A14

O novo round do projeto de construção das usinas hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia, é um debate técnico em que o feitiço parece ter se virado contra o feiticeiro. O feitiço é o estudo encomendado pelo Ministério Público Estadual de Rondônia a 30 cientistas de renome, de diversas áreas, sobre os impactos do megaempreendimento que deve gerar quase 6.500 megawatts de energia. O feiticeiro é o próprio consórcio das duas maiores empresas interessadas no negócio, Furnas e Odebrecht, que bancou as quase mil páginas de trabalhos dos cientistas .

Esta semana, as ONGs Amigos da Terra-Amazônia Brasileira e International Rivers Network se debruçaram sobre os estudos e fizeram um resumo contundente batizado de "30 Falhas no EIA-Rima do Rio Madeira" . O texto conclui que as questões dos técnicos colocam "potencialmente em xeque a viabilidade" do empreendimento e a "legitimidade dos documentos produzidos para efeito de licenciamento" e sugerem que se adequem os estudos do EIA-Rima.

"São conhecidas as carências de infra-estrutura e as questões sociais graves de Porto Velho. Apoiamos o pedido do Ministério Público de Rondônia para nos anteciparmos às necessidades da região", explica Sergio França Leão, diretor de meio ambiente da Construtora Norberto Odebrecht, justificando a iniciativa dos empreendedores de bancar os trabalhos dos cientistas. "A ansiedade pelas usinas é imensa. Quisemos antecipar o detalhamento do que precisa ser feito." Ele esclarece que tais detalhamentos não ocorrem nesta fase do processo, mas posteriormente.

O ponto mais polêmico do projeto, a possibilidade que traga alterações fluviais que ultrapassem a fronteira com a Bolívia e até inundem seu território, é rebatido pelo consórcio que costuma repetir que a marca do empreendimento é não alterar o fluxo de vazão do Rio Madeira. "O projeto foi modificado para que isto não ocorra, mesmo que se perca energia assim", diz Leão. O diretor de licenciamento do Ibama Luiz Felippe Kunz diz que o órgão não tem nada ainda comprovado sobre o impacto do empreendimento na Bolívia: "Estamos avaliando esta questão."

As falhas que os cientistas apontaram no EIA-Rima leva os ambientalistas a resistirem ao cronograma do processo de licenciamento - o próximo passo são duas audiências públicas, em Abunã e Mutum-Paraná, que foram suspensas por conta de uma liminar e agora remarcadas para acontecer, respectivamente, em 29 e 30 de novembro. "Os estudos mostram que faltam informações importantes para este projeto e que, antes de ter as audiências públicas, é necessário responder a pontos fundamentais", diz Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira. "Ou são audiências públicas de mentirinha."

No Ibama, o rito do processo de licenciamento das usinas do Madeira prossegue com certa normalidade, mesmo que o órgão já reconheça que o fechamento do parecer técnico, com as ponderações e estudos recolhidos na fase das audiências, só deva ocorrer no primeiro bimestre de 2007. "A partir daí vamos colocar a posição do Ibama, se vamos pedir complementação dos estudos, se os dois empreendimentos são viáveis ou apenas um, se precisa de complementação", diz Kunz.

Caso o projeto seja aprovado e receba licença-prévia, aí sim, diz Kunz, é hora de o empreendedor detalhar o que se propôs a fazer ou aprofundar estudos já feitos. A fase seguinte é a de licença de instalação, quando começam as obras, e a última, a da licença de operação, é para o empreendimento operar.