Título: A pirataria e a adesão ao Protocolo de Madri
Autor: Machado, Eduardo M.
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Há dois fatos recentes sobre a proteção dos direitos de propriedade intelectual no Brasil. O primeiro, infelizmente de caráter negativo, dá conta de nossa inclusão na lista de países problemáticos por parte da Comunidade Européia. O outro, mais recente e inteiramente positivo, alude ao início do processo de adesão do Brasil ao Protocolo de Madri, que visa o estabelecimento de procedimentos uniformes para o registro internacional de marcas.

À primeira vista, parecem ser informações que guardam pouca relação entre si e, por isso mesmo, terão desdobramentos distintos. No entanto, com um pouco de imaginação poderemos tirar vantagens do acesso ao Protocolo de Madri para rebater as críticas dos colegas europeus sobre nossa disposição para enfrentar problemas ligados à pirataria de produtos.

Para isso é preciso entender que a pirataria, independente da forma como se materializa, sempre fere algum tipo de direito de propriedade intelectual garantido em nosso país, como as marcas, patentes e, mais freqüentemente, os direitos autorais.

Segundo uma pesquisa realizada pela Federação de Comércio do Rio de Janeiro (Fecomercio), 40% dos brasileiros compram produtos piratas, mesmo sabendo dos danos que isso traz à economia brasileira. Desse grupo, 90% o fazem em função do preço menor do que aquele cobrado pelo produto original.

No caso mais visível e, por isso mesmo mais grave, temos a comercialização marginal de CDs e DVDs virgens que, apesar de à primeira vista não aparentam ser uma grande ameaça, visto que são mais baratos que os similares produzidos em nosso país, fatalmente serão utilizados para a gravação de músicas ou filmes baixados da internet de forma irregular, caracterizando, assim, a violação dos direitos autorais dos artistas cujas obras foram copiadas. Além disso, nesse exemplo, os CDs e DVDs importados de forma irregular também prejudicam as empresas brasileiras que, ao produzir essas mídias em nosso país, recolhem royalties aos titulares das respectivas patentes, estando, assim, em condição de desigualdade concorrencial em relação àqueles que, além de não recolher os devidos impostos, ainda deixam de pagar os royalties.

-------------------------------------------------------------------------------- O maior número de marcas estrangeiras registradas aqui permitirá que sejam tomadas mais medidas judiciais contra a pirataria --------------------------------------------------------------------------------

Quando falamos da pirataria de marcas, o assunto fica ainda mais assustador, pois a cada esquina de qualquer cidade brasileira podemos encontrar cópias de tênis, bolsas, perfumes e brinquedos que, apesar de grosseiramente falsificados, ostentam marcas famosas. Nesses casos, cabe ao titular dos registros dessas referidas marcas tomar providências no sentido de impedir a comercialização dos produtos pirateados, protegendo tanto o consumidor local como a reputação de sua própria marca.

É exatamente nesse ponto que o Protocolo de Madri pode ser de alguma valia, na medida em que visa possibilitar, de uma forma menos onerosa e burocratizada, a obtenção do registro de marcas nos 78 países-membros, dentre os quais poderá figurar o Brasil, caso a mensagem enviada pelo Poder Executivo seja aprovada pelo Congresso Nacional.

A razão é que através do Protocolo de Madri, tanto as empresas brasileiras estarão aptas a registrar suas marcas em um maior numero de países, protegendo-as no exterior, como também, em função da redução de custos e entraves burocráticos, uma quantidade maior de pequenas e médias empresas estrangeiras poderá registrar suas marcas no Brasil. A conclusão, portanto, é a de que a partir da ratificação, pelo Congresso Nacional, do Protocolo de Madri, tanto as empresas estrangeiras terão mais uma via de acesso ao registro de suas marcas em nosso país como, de igual sorte, os empresários nacionais poderão obter a proteção de seus direitos no exterior de forma mais abrangente e menos onerosa.

É desnecessário dizer que esse aumento do número de pedidos de registro, tanto de empresas brasileiras no exterior como de estrangeiras aqui no Brasil, implicará em um substancial acréscimo de serviço para os profissionais que trabalham nessa área específica do direito. No entanto, em paralelo, a existência de um maior número de marcas estrangeiras registradas em nosso país permitirá que mais medidas judiciais sejam tomadas no combate à pirataria, já que a legislação brasileira requer, dentre outros elementos, a propriedade de um registro de marca para possibilitar o início de procedimentos judiciais. O registro dessas marcas estrangeiras também indica o interesse das respectivas empresas titulares no mercado brasileiro, de forma que, também sobre este ângulo, o Protocolo de Madri trará benefícios à sociedade e permitirá o aumento do combate à pirataria.

Portanto, ao invés de procurarmos encontrar aspectos negativos na adesão do Brasil ao Protocolo de Madri, seria o caso de aproveitarmos esta janela de oportunidade para demonstrar aos europeus que a inclusão do nosso país na listagem de países problemáticos, além de injusta, não reflete a realidade brasileira referente à proteção dos direitos de propriedade intelectual.

Eduardo Magalhães Machado é advogado do escritório Montaury Pimenta, Machado & Lioce

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações