Título: Governo infla número de beneficiados pela transposição, diz TCU
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2006, Brasil, p. A5

O governo inflou o número de potenciais habitantes beneficiados pelo projeto de transposição do rio São Francisco, sugere uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), cujo relatório foi aprovado nesta semana pelos ministros do órgão. Também foram contestadas as estimativas oficiais que apontam um custo próximo de R$ 4,5 bilhões para as obras de integração das bacias hidrográficas do Nordeste.

Para o TCU, a projeção desconsidera os investimentos necessários nas redes de captação, tratamento e distribuição das águas. Com isso, os gastos para levar à população do semi-árido nordestino os benefícios da transposição vão subir, adverte o tribunal.

Nas projeções do Ministério da Integração Nacional, os benefícios atingirão 9,075 milhões de habitantes do semi-árido - número que, pela evolução demográfica, deverá alcançar cerca de 12 milhões em 2025. A auditoria. com base em informações fornecidas pelos governos dos Estados "receptores" de águas do São Francisco (Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba), estima a população potencialmente beneficiada pelo projeto em 7,031 milhões de pessoas.

"A conclusão de que 12 milhões de pessoas seriam beneficiadas com os R$ 4,5 bilhões a serem investidos no Projeto de Integração do São Francisco até 2025 apresenta-se equivocada, não estando fundamentada em dados passíveis de comprovação, nem mesmo tendo sido considerada a visão compartilhada pelos governos locais", diz o relatório, assinado pelo ministro Benjamin Zymler.

Para o TCU, outros dados levantados pela auditoria apontam o inchaço das projeções da população beneficiada. Exemplo disso são os questionários enviados aos 391 municípios supostamente cobertos pelo projeto de transposição - um quarto deles respondeu à equipe técnica. Do total, 20% dos municípios afirmam que não vão ter nenhum benefício com o projeto.

O relatório encontra também discrepâncias entre as avaliações do governo federal e governos estaduais. De acordo com o tribunal, enquanto o Ministério da Integração Nacional garante que 113 municípios pernambucanos serão diretamente beneficiados pelo projeto, o governo de Pernambuco informou ao TCU que esse número é de 30 municípios.

As equipes do tribunal fizeram vistorias nos quatro Estados receptores da transposição e consideraram "irrealista" a estimativa de R$ 4,5 bilhões para a construção dos dois canais previstos no projeto. Esse valor, segundo a auditoria, não levou em conta a existência de redes de captação, tratamento e distribuição de água para as populações dos municípios.

Um dos argumentos do ex-ministro Ciro Gomes para defender o projeto era o valor dos gastos do governo em ações emergenciais de combate à seca. Segundo ele, só na seca de 1999 foram gastos R$ 2,2 bilhões em assistência à população atingida. Ciro argumentava que a transposição é uma solução permanente, que se pagaria pelo mesmo preço de duas secas.

Se a transposição estivesse pronta hoje, apenas 22% dos municípios teriam capacidade de aproveitar as águas em suas comunidades, avalia o TCU. A rede existente varia bastante, dependendo da região. No Ceará, especialmente na região metropolitana de Fortaleza, os dutos já permitem a interligação com açudes do Estado e o aproveitamento da vazão proveniente do rio São Francisco. Em Pernambuco, no entanto, boa parte dos municípios potencialmente atendidos pela transposição não tem sistema planejado de adutoras para atender a nova demanda.

"Nesses casos, será necessário aporte de recursos considerável para que os municípios venham a ser capazes de utilizar os recursos hídricos decorrentes do projeto de Integração do São Francisco", diz o relatório. Os investimentos devem ser de pelo menos R$ 600 milhões no Ceará e de R$ 260 milhões no Rio Grande do Norte.

O TCU ainda faz uma ressalva: há casos em que a distância entre os canais e pequenas comunidades rurais inviabiliza o investimento de ligação à rede de distribuição. Zymler sugere o aprofundamento de estudos para avaliar o "real alcance populacional" do projeto e para dimensionar as obras complementares. O ministro também recomenda a elaboração de um "Plano de Atividades" para conciliar as ações da transposição com outros programas de "convivência com o problema das secas no semi-árido".