Título: Embarque de bois vira um problema ambiental em Belém
Autor: Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2006, Agronegócios, p. B14

Era pra ser o melhor lugar da cidade para apreciar o céu alaranjado sobre a baía do Guajará, um espetáculo amazônico que atrai turistas e paraenses todo fim de tarde ao mais sofisticado pólo gastronômico de Belém. Mas o pôr-do-sol na Estação das Docas, incrustada em pleno porto, está sendo atrapalhado por um problema impensável meses atrás: o embarque de bois. Não pelo mugido ou pelo gado em si - há quem corra para tirar fotos. Mas pelo que os animais fazem enquanto estão lá.

"Você não imagina o fedor de esterco que fica isso cada vez que chegam os caminhões com bois", diz o garçom Francisco de Assis, que a exemplo de outras quase 50 pessoas arranjou trabalho nos armazéns revitalizados do porto de Belém - a jóia da coroa da administração tucana no Estado, freqüentemente comparada à Porto Madero de Buenos Aires. "Quando as portas se abrem e entra aquele bafo, os clientes começam a comentar e a gente tem que sair explicando o que está acontecendo".

São duas, três mil cabeças por semana deixando o porto de Belém com destino ao Líbano, onde os animais são submetidos ao abate halal, que segue os preceitos muçulmanos. "Começamos embarcando um ou dois navios de gado por mês. Agora já trabalhamos com quatro a seis embarques", diz Evandro de Medeiros, administrador do porto. "Virou um negócio de grande potencial para nós".

O nicho de negócio, porém, virou um problema ambiental. O cheiro forte, dependendo da direção do vento, vai além do pólo gastronômico. Ele se espalha pelo bairro do Reduto, na região central da cidade, penetrando em casas e lojas. "Há muitas reclamações de vizinhos", admite Medeiros.

A chegada dos bois a Belém foi parar no Ministério Público Estadual e deve provocar uma queda-de-braço política nos próximos dias. Isso porque a promotoria entrará com um pedido de liminar para embargar a movimentação de gado na capital. "Fizemos um laudo técnico que comprovou os prejuízos causados aos moradores e comerciantes, tanto do ponto de vista de saúde como econômico, já que o mau cheiro afeta os negócios", disse ao Valor o promotor Benedito Wilson Corrêa de Sá. "Não temos nada contra o comércio exportador, estamos apenas reivindicando um local menos agressivo. E o porto de Belém é menos recomendado para fazer isso."

Desde abril de 2005, quando os primeiros embarques de boi em pé foram feitos em Belém, houve um incremento expressivo nas exportações de gado. Passaram de 20 mil toneladas nos nove meses daquele ano para 53 mil toneladas de janeiro até setembro deste ano. A expectativa é que encerrem 2006 totalizando 70 mil toneladas.

O crescimento, diz Medeiros, refletiu no desempenho do porto como um todo. A madeira continua sendo o carro-chefe em volume, respondendo por 72,4% das exportações, mas tem perdido gradualmente posição devido à fiscalização do Ibama, que inibe o comércio de produtos ilegais. "Ao mesmo tempo, o boi foi ganhando espaço e hoje é uma prova de que o porto de Belém, ao contrário do que muitos dizem, ainda se sustenta e tem importância econômica".

Ao dizer isso, o administrador portuário traz à tona uma discussão política antiga no Pará que põe à prova o próprio sentido de existência do porto. Caro e pouco eficiente - tem um calado de apenas 7,3 metros, o que limita o trânsito a navios pequenos -, seu fechamento é defendido com ardor por alguns setores da sociedade. Entre les, uma ala do PSDB, que nos últimos 12 anos governou o Estado. "São gastos R$ 4 milhões por ano no desassoreamento desse porto", afirma Almir Gabriel, candidato derrotado nas eleições de outubro mas de forte influência política.

Uma das opções, defendida também pelo PT que assumirá o governo, seria investir em Vila do Conde, um porto a 35 Km que deixa Belém pequeno quando comparadas as medidas. Com 15 metros de calado, ele movimenta 74% da carga total da Companhia Docas do Pará e já teve receita operacional de R$ 28 milhões neste ano - contra R$ 6,6 milhões em Belém.

"Queremos transferir os embarques para outro lugar e continuar o pólo gastronômico nos outros armazéns", conta Almir, cujo partido idealizou a Estação das Docas.

Da varanda de seu apartamento, no 21º andar, vê-se a avenida Docas, o point de encontro dos jovens na cidade. Foi lá, meses atrás, que um boi deu um espetáculo à parte ao fugir do curral improvisado e correr para fora do porto. João Bosco Prado, funcionário portuário há 17 anos, ri ao relembrar dessas histórias. "Uma vez um boi assustado se jogou no rio e morreu afogado. Quando um foge, a gente sai correndo. Só agora aprendi a laçar".

Desde que o boi chegou a Belém, Prado e seus colegas passaram a usar máscaras no trabalho. "Não dá pra ficar sem", conta. Mas ele diz não se incomodar com isso, já que o boi aumentou seu salário, baseado em tonelagem. "E quando um boi se acidenta e é sacrificado, a gente pede autorização para levar o animal. Alugamos uma kombi e cortamos o boi lá fora. Todo mundo fica com um pouquinho".