Título: Estatuto ainda não mudou realidade nas instituições
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2005, EMPRESA & COMUNIDADE, p. F4

Prestes a completar 15 anos, em 2005, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) tem um longo caminho a percorrer até a real implantação, pelo menos em relação ao abrigo de crianças e adolescentes. A conclusão está no estudo "Reordenamento dos Abrigos Infanto-Juvenis da Cidade de São Paulo", diagnóstico dos 190 abrigos paulistanos lançado no segundo semestre de 2004. Visitas a 185 destas instituições, levantamentos prévios junto ao Judiciário e Executivo municipal e estadual, e a análise de 411 prontuários de abrigados foram as bases do trabalho. Feita pelo Núcleo da Criança e do Adolescente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Associação de Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça de São Paulo e secretaria municipal de Assistência Social (SAS), a pesquisa ganhou apoio da Fundação Orsa, Corregedoria de Justiça do Estado de São Paulo, a italiana Agenzia Regionale per le Adozioni Internazionali e envolveu quase cem profissionais. O resultado revela uma diversidade marcante. Quase metade (49%) são abrigos particulares, sem verbas municipais ou estaduais para sua manutenção. São 91 casas com 2,8 mil vagas. A maioria (83%) vive de doações em espécie ou dinheiro da comunidade, instituições religiosas, empresas, ou ONGs. Além disto, 40,3% realizam eventos para angariar fundos, e 13,4% têm parcerias financeiras com empresas e ONGs. Segundo os entrevistados, a manutenção de uma criança nestes abrigos custava de R$ 80 a R$ 2,5 mil mensais, em 2003. Cerca de 20% ficam na faixa mais baixa (até R$ 381). Valores acima de R$ 1,6 mil correspondem, em geral, a atendimento de portadores de HIV ou doença mental. Em seguida, vêm os 26% de abrigos conveniados com Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo (SEADS). São casas que atendem de 5 a 150 crianças e jovens, com custos por vaga de R$ 333 a R$ 4 mil. Apesar de possíveis diferenças derivadas do grau de especialização do abrigo, o estudo critica a falta de correlação para valores tão diversos. Por exemplo: nas 3 casas de cem vagas, o custo por pessoa vai de R$ 400 a R$ 960. Os últimos 25% dividem-se entre os 48 abrigos municipais ligados à SAS (23%) e às 4 casas de recepção e encaminhamento da Febem/SP (2%). Criados após o ECA, os abrigos municipais têm até 30 vagas. A SAS prevê um valor de referência de R$ 1,5 mil per capita mensais, além de supervisão dos serviços. A tendência, avalia o estudo, é a municipalização de todos os abrigos infanto-juvenis. Quem ainda tem a imagem de que os abrigados são todos órfãos, como a maioria, se surpreende ao saber que mais de dois terços deles (67%) têm família. Destes, 55,6% são grupos de irmãos. Baseado em dados de Varas da Infância e Juventude, o levantamento revela um motivo insólito para o abrigo de mais de 1/4 (26%) destas crianças e adolescentes: problemas econômicos das famílias. Neste caso, conclui o texto, trata-se de falha de política pública, pois a solução seria o apoio sócio-familiar. Entre outras razões de abrigamento, estão a negligência e abandono da família (33%), violência e maus tratos (12%). (S.C.)