Título: "Falta projeto de desenvolvimento", diz Stédile
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2006, Política, p. A8

"O diagnóstico é consensual", dizia o líder do Movimento dos Sem Terra João Pedro Stédile. "Todos concordam que, no Brasil, os problemas são desemprego, educação e distribuição de renda. O problema é como resolver. É impossível solucionar isso sem afetar o lucro", prosseguia. "Então, todo mundo acha omelete bom, mas ninguém quer quebrar os ovos."

A reflexão de Stédile aconteceu durante o seminário que a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, a Abong, promoveu ontem em São Paulo. Stédile escolheu dividir com a platéia o debate que existe dentro da militância do MST e da Via Campesina. "A sociedade está passando por um grave momento da História porque nos falta um projeto de desenvolvimento." Prosseguiu lançando farpas ao neoliberalismo e dizendo que "o grande desafio é derrotar este modelo econômico que privilegia as transnacionais e o capital financeiro." Como? Não há fórmula, reconhece. Uma das estratégias é a "pedagogia do exemplo: dando uma porrada na sociedade para ver se ela acorda."

O coordenador do MST não antecipou a estratégia de ação da entidade no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Limitou-se à provocação: "Me aguardem. Faltarão palitos de fósforo neste país". Ao final, temendo ser 'mal-interpretado' mandou um recado: "Os palitos são para iluminar a consciência do povo".

O tema central do evento era discutir as contradições e convergências da relação entre ONGs e empresas. As contradições ficaram logo evidentes, assim como a idéia de que umas e outras seguem a lei das linhas paralelas e nunca se encontram. Não foi um evento pluralista - não havia empresas na mesa nem na platéia, formada basicamente por universitários, membros de ONGs variadas (de moradores de rua a de defesa dos direitos dos consumidores). O outro palestrante era Jean Pierre Leroy, da Fase, uma das ONGs mais sólidas do Brasil, com trajetória iniciada em 1961 e que contempla ações que miram do desenvolvimento sustentável a políticas afirmativas e de gênero, só para citar alguns dos eixos de seu balaio social.

"Desenvolvimento e sustentável são duas palavras contraditórias", começou Jean Pierre. "Porque desenvolvimento ainda é visto como um só caminho possível, o econômico." Algumas empresas, disse, são "totalitárias", "devoradoras de território" e produzem "o refugo humano."

Jean Pierre recheou seu raciocínio com exemplos e ironizava: "E estas empresas são responsáveis?" Sobrou, também, para o governo. "Fizeram a Transamazônica e durante 30 anos milhares de colonos viveram metade do ano na poeira e a outra metade na lama", continuou. "Mas bastou a soja entrar nos mercados do Norte para pensarem em asfaltar estradas." Para ele, desenvolvimento tem que seguir o parâmetro da igualdade e o da eqüidade. "Não pode ser uma plataforma para a exportação e para o capital, e o resto que se dane."

Foi uma aula diversa sobre questões sociais e políticas. "No Rio Grande", brincou Stédile, "não tem mais biodiversidade. Só tem três bichos lá: soja, eucalipto e fazendeiro." Falou-se de agronegócio a biopoder, de camarão a Lênin. Em uma pausa nas respostas à platéia, Stédile soltou um "Vamos ao como mudar o mundo em cinco minutos." Dizia: "Temos que debater um novo projeto para o Brasil", animado em relação ao futuro onde enxerga, em breve, novos partidos políticos, novas formas de luta e novas lideranças.