Título: Democratas vencem eleição nos EUA e Bush demite Rumsfeld
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2006, Internacional, p. A12

O presidente George Bush anunciou ontem a demissão do seu principal auxiliar na condução da guerra no Iraque, o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, poucas horas depois de receber dos eleitores americanos uma demonstração de seu enorme descontentamento com o governo e a maneira como ele vem administrando o conflito.

O fiasco no Iraque foi o tema dominante das eleições de terça nos EUA, que devolveram à oposição, representada pelo Partido Democrata, o controle sobre a Câmara dos Deputados e deixaram o partido a um passo de alcançar a maioria no Senado, pondo fim a 12 anos de hegemonia do Partido Republicano, de Bush, no Congresso.

O triunfo dos democratas ameaça transformar os últimos dois anos de mandato de Bush numa temporada difícil. Os políticos estarão todos se preparando para a campanha presidencial de 2008 e a rivalidade entre os dois partidos que dominam a política americana tende a bloquear muitas iniciativas do governo no Congresso.

Bush e líderes dos dois partidos passaram o dia prometendo estabelecer uma relação produtiva no Congresso, mas há dúvidas sobre a capacidade que terão de superar suas diferenças num ambiente de intensa polarização política. "Foi uma eleição apertada e as pessoas esperam que trabalhemos juntos", disse o presidente, em entrevista aos jornalistas na Casa Branca.

Ele reconheceu que a situação no Iraque é ruim, mas disse que não pode retirar as tropas americanas enquanto o país não estiver sob controle. "Eu também gostaria que nossos soldados voltassem para casa, mas quero que eles voltem para casa vitoriosos, e que esse país possa se governar, se sustentar e se defender sozinho", afirmou Bush.

Ele telefonou cedo para a deputada Nancy Pelosi, democrata da Califórnia que passará a presidir a Câmara quando o novo Congresso tomar posse, em janeiro. Ele ligou também para outros líderes da oposição e convidou-os para almoçar na Casa Branca. "Vamos trabalhar juntos em parceria e não com partidarismo", afirmou Pelosi numa entrevista pouco depois.

Quando um dos jornalistas lhe perguntou o que deve ser feito para corrigir o rumo adotado pelos EUA no Iraque, Pelosi deixou claro em sua resposta que, como os republicanos, os democratas não têm idéia de como lidar com a situação. Mas ela fez questão de dizer que um bom começo seria a demissão do secretário Rumsfeld.

Não precisava nem assoprar. Principal arquiteto da guerra no Iraque e uma das figuras mais odiadas da política americana, Rumsfeld já estava começando a arrumar as gavetas àquela altura. O presidente escolheu para o seu lugar um veterano da comunidade de espionagem, Robert Casey, que dirigiu a Agência Central de Inteligência (CIA, em inglês) quando o pai de Bush era o presidente.

Ainda é cedo para saber quanto tempo vai durar a disposição de democratas e republicanos de buscar o diálogo e a cooperação. Mas a cautela adotada pelas lideranças da oposição expressa um reconhecimento de que o recado das urnas representa muito mais um protesto contra a administração republicana do que uma demonstração de confiança nos democratas.

Uma análise do Centro de Pesquisas Pew com dados coletados por pesquisas de boca-de-urna mostra que a maioria dos eleitores filiados aos dois partidos permaneceu fiel às suas legendas. Quem virou o jogo a favor dos democratas foram os eleitores independentes, sem filiação partidária e de perfil ideológico menos esquerdista que os democratas tradicionais.

De acordo com o Pew, nas eleições legislativas de 2004 esse grupo se dividiu quase ao meio entre os dois partidos, mas desta vez 57% dos eleitores independentes votaram em candidatos democratas e apenas 39% escolheram republicanos. Nada garante que essas pessoas continuarão votando dessa forma nas próximas eleições, e os democratas sabem disso bem.

Conservar o apoio dessa gente e criar condições para ir mais longe em 2008 será a preocupação número um da oposição a partir de agora e é ela que vai orientar o comportamento dos democratas no Congresso, mas será preciso esperar para avaliar o impacto que isso terá sobre os últimos anos do governo Bush.

Como o presidente continuará com o poder de vetar qualquer lei que passar pelo Congresso contra a sua vontade, a capacidade dos democratas de fazer avançar suas propostas é limitada. Na campanha, Pelosi apresentou uma agenda com seis prioridades para o ano que vem, mas o documento em geral é bastante vago e incluiu apenas iniciativas menos polêmicas.

Uma delas, parte de um plano de mudanças nas cem primeiras horas do novo Congresso, prevê o aumento imediato do salário minimo, considerado viável pelo próprio Bush ontem. Outro campo em que o presidente vê oportunidades para cooperação com os democratas é a questão da imigração. "Há mais apoio para suas idéias nessa área entre os democratas do que entre os republicanos", disse ao Valor Nancy Roman, vice-presidente do Conselho de Relações Exteriores, um centro de estudos.

Em vez de apenas reforçar a segurança na fronteira com o México para deter a entrada de imigrantes ilegais, como muitos republicanos gostariam, Bush defende um programa com incentivos para regularizar a situação dos trabalhadores estrangeiros que vivem sem documentos no país. A idéia agrada aos democratas, que na terça-feira receberam votações expressivas nos distritos dominados por eleitores de origem hispânica.