Título: Mercado de capitais avança, mas há desafios a superar
Autor: Sampaio, Paulo Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2006, Opinião, p. A16

As incertezas que geralmente cercam períodos eleitorais e a falta de dinamismo da economia brasileira parecem não ter afetado a disposição das empresas de se capitalizar por meio do mercado doméstico. Trata-se de um sinal inequívoco do amadurecimento do processo democrático e da consolidação do aparato institucional vigente, condições indispensáveis para a criação de um ambiente propício à expansão dos investimentos produtivos.

A boa performance dos indicadores macroeconômicos, sobretudo no campo externo, e a certeza da manutenção dos três pilares que sustentam a política econômica nacional - câmbio flutuante, sistema de metas inflação e austeridade fiscal - configuraram um quadro oposto ao vivido em 2002, quando as dúvidas em relação às diretrizes a serem adotadas pelo então candidato favorito provocaram forte instabilidade no mercado.

Portanto, a expectativa de que o mercado de capitais viveria um desaquecimento ao longo de 2006, em decorrência do calendário político, não se confirmou. Ao contrário, as emissões vêm demonstrando um fôlego ainda superior ao apresentado em 2005, quando o volume de ofertas primárias registradas na CVM bateu o recorde histórico de R$ 62 bilhões. Até o final de outubro, a autarquia já havia registrado R$ 78 bilhões em novas emissões e cerca de R$ 21 bilhões estavam em análise.

Entre os instrumentos de captação, as debêntures permanecem no topo da lista, com cerca de 65% do total. As ações também vêm apresentando excelente desempenho, com os IPO crescendo 172% no ano, em comparação com o mesmo período de 2005. E os volumes referentes aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) dobram a cada ano.

Mesmo diante de uma expansão pouco expressiva do PIB - as expectativas para 2006 e 2007 são de 3% e 3,5%, respectivamente -, as empresas têm aproveitado as condições macroeconômicas favoráveis para emitir, embora a maior parte dos recursos não esteja sendo destinada à ampliação da capacidade instalada.

Ainda assim, a inflação sob controle e a expectativa de queda gradual das taxas de juros formam um cenário adequado para que as companhias reformulem suas estratégias de médio e longo prazos, reestruturando seus passivos e se preparando para - quem sabe - um novo ciclo de crescimento sustentável da economia nos próximos anos.

-------------------------------------------------------------------------------- Companhias reformulam suas estratégias de médio e longo prazos para um novo ciclo de crescimento sustentável da economia --------------------------------------------------------------------------------

Também pelo lado dos investidores, há um apetite cada vez maior por ativos privados A liquidez internacional e a decisão dos gestores de carteira de crescentemente assumir riscos corporativos, em busca de maior rentabilidade de seus portfólios, têm levado a demanda por emissões privadas de bom risco de crédito a superar por larga margem a oferta. Indicador evidente desta tendência é o fato de que, na maioria dos bookbuildings realizados este ano, o custo de colocação foi inferior ao previamente proposto nos roadshows.

Apesar do quadro favorável, há muito a avançar, sobretudo no que diz respeito ao mercado secundário dos valores mobiliários de renda fixa, cujas negociações não espelham a pujança das ofertas primárias. Para que se tenha uma idéia, no caso particular das debêntures, de um estoque de mais R$ 115 bilhões, apenas 25% dos papéis custodiados no Sistema Nacional de Debêntures haviam registrado mais de dez negócios até o final de setembro, o que resultou em uma relação giro/estoque de apenas 8,5% no período.

No campo tributário, duas medidas certamente contribuiriam para aumentar a negociabilidade desses ativos, caso implementadas: a eliminação do IOF de curto prazo sobre operações com títulos e valores mobiliários, cuja incidência desestimula o giro das carteiras; e a revisão da tributação do Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos periódicos pagos por esses ativos - as regras atuais geram bitributação caso o título mude de mão antes da percepção do rendimento. Pleitos nesta direção já foram encaminhados às autoridades e há boas chances de que sejam acatados.

O esforço pela inclusão de novos participantes - emissores e investidores - é outra bandeira a ser empunhada, e que vem sendo objeto de discussão pela Andima e pelas demais entidades que participam do Plano Diretor de Mercado de Capitais. Nesse contexto, cabe destacar a proposta de reforma da Previdência que, além de promover um alívio nas contas públicas a longo prazo, poderá carrear um volume expressivo de recursos para o mercado de capitais. Efeito semelhante também será obtido, caso o governo estenda aos títulos privados a isenção de Imposto de Renda das aplicações de investidores estrangeiros em instrumentos de renda fixa, hoje basicamente restrita aos rendimentos produzidos por títulos públicos federais.

Por fim, há um conjunto de iniciativas que vêm sendo adotadas pelas entidades de classe no campo da auto-regulação, como a criação da debênture simplificada e a disseminação de informações sobre preços de negociação, cujo objetivo primordial é ampliar o rol de participantes desse mercado.

Padronização, transparência, liquidez e inclusão são, portanto, referências fundamentais que devem nortear as ações dos que desejam contribuir para o desenvolvimento sustentado do mercado de capitais no Brasil.

Paulo Eduardo de Souza Sampaio é superintendente Geral da Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro).