Título: A batalha dos bilhões não impressiona
Autor: Stephens, Philip
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2006, Opinião, p. A17

Existem duas discussões sobre tributação. A primeira, conduzida em público pelos políticos, transborda para as manchetes dos jornais como a batalha dos bilhões. A segunda é sobre o rumo, o tamanho e a forma de governo no longo prazo. Esta é a discussão importante. Portanto, ela raramente recebe uma menção.

Quinze ou vinte anos atrás, o primeiro debate foi definido aproximadamente da forma como segue. A oposição trabalhista à época queria aumentar os gastos públicos, portanto o imposto de renda aumentaria vertiginosamente. Pior, o dinheiro roubado dos bolsos das famílias que trabalham duro seria desperdiçado com os sindicatos. Não surpreende que os trabalhistas tenham encontrado dificuldade em vencer as eleições gerais.

Mérito ao gênio político do primeiro-ministro Tony Blair e do ministro das Finanças, Gordon Brown, que conseguiram inverter a discussão. Impostos e gastos públicos aumentaram muito desde 1997. Como porcentagem da renda nacional, os impostos retornaram aos níveis do começo da década de 1980. São os conservadores, porém, os que estão sob pressão.

Os conservadores querem reduzir impostos, é o que se discute agora, portanto eles cortarão gastos públicos vitais. Como se isso já não fosse ruim o bastante, eles entregarão todo o dinheiro aos seus amigos ricos no distrito financeiro de Londres. Não surpreende que David Cameron, o líder conservador, esteja demonstrando cautela. O que não mudou foi a precisão espúria na qual o debate está sendo conduzido. Os conservadores costumavam avaliar cada proposta trabalhista até os últimos 5 milhões de libras esterlinas e declarar triunfalmente que tudo isso acrescentava quatro ou cinco pence adicionais à alíquota básica do imposto. Agora, os trabalhistas pegam cada sugestão dos conservadores, de imposto sobre herança mais baixo, taxas cartoriais e similares e as traduz em perdas exatas de postos de trabalho entre professores e enfermeiras.

Então, quando a comissão nomeada pelos conservadores sugeriu agora um pacote de reformas tributárias e reduções no montante de 21 bilhões de libras esterlinas anuais, Cameron tomou aquela que parecia ser a única decisão política sensata: repudiou as recomendações. A estabilidade econômica atualmente é um bordão compartilhado por Brown e George Osborne, seu oposto no governo paralelo.

A questão importante a ser entendida sobre o debate, porém, é que, como já mencionado, a maioria dos valores é inexpressiva. Uma quantia de 5 milhões de libras esterlinas parece ser um número muito expressivo, até nos darmos conta que representa menos de metade de 1% da renda nacional. As acusações e contra-acusações pressupõem um mundo estático, no qual podemos prever o estado das finanças públicas muitos anos adiante.

A vida real não funciona assim. No orçamento revelado menos de dois meses antes das eleições gerais de 2001, o Tesouro previu que até 2004-2005, o último ano do parlamento anterior, as finanças públicas apresentariam um déficit de 11 bilhões de libras esterlinas. Na verdade, o déficit foi de 40 bilhões de libras esterlinas. Poderíamos dizer que isso foi mais um testemunho do histórico desolador do equilíbrio das contas. A margem de erro de 29 bilhões de libras esterlinas para um único ano reduziu várias vezes à insignificância os números arremessados pelos políticos uns contra os outros nas eleições.

-------------------------------------------------------------------------------- Mesmo com o Novo Trabalhismo e toda essa conversa de prudência, os gastos públicos têm crescido a um ritmo mais veloz desde o início dos anos 70 --------------------------------------------------------------------------------

Cameron, de qualquer forma, não está propondo reduzir os gastos públicos se ele vencer a próxima eleição. A proposta dos conservadores é que, com o tempo, eles deverão crescer a um ritmo menos veloz do que a economia como um todo. E ocorre que Brown parece concordar.

O ministro das Finanças havia declarado que, depois de vários anos de crescimento de 5% nos gastos anuais, ele acionará os freios a partir de 2008. O aumento anual, se ele se ativer aos seus planos atuais, será mantido em 2%. Este número pode ser comparado com uma taxa de crescimento econômico de longo prazo presumida de 2,5%.

A questão maior para Brown será se ele concorda com os defensores de Blair no governo, de que os níveis gerais de tributação estão agora no limite da tolerância dos eleitores. Esta certamente parece ser a mensagem das pesquisas de opinião pública. Mas também é uma mensagem que destoa com as ambições de gastos de grande parte dos mais ardorosos apoiadores de Brown para a sucessão de Blair.

Para Cameron, a questão é em que medida ele continuaria pressionando pela redução na taxa de crescimento dos gastos públicos se Brown se ativer aos seus planos. A resposta é provavelmente não muito, inicialmente - uma resposta que certamente decepcionará os tradicionais ceifadores de impostos no seu partido.

Com tudo isso, ainda existe uma diferença real entre os dois partidos. O instinto dos trabalhistas permanece do lado do governo maior; o dos conservadores, de um Estado menor. A mensagem da década passada é que, ao longo de dois ou três mandatos parlamentares, isso faz diferença. O que pode parecer uma pequena diferença no início tem um grande efeito cumulativo.

Mesmo com toda essa conversa de prudência do Novo Trabalhismo, desde 2001 os gastos públicos têm crescido a um ritmo mais veloz ante qualquer época desde o começo da década de 1970. Assim como ocorreu com os trabalhistas, o mesmo se dará com os conservadores. Se Cameron vencer, os vultosos cortes tributários provavelmente precisarão esperar por um segundo mandato.

Da parte dos eleitores, meu palpite é que eles não se deixarão impressionar pela batalha dos bilhões. Eles preferirão pesar a acusação dos conservadores, de que grande parte do dinheiro gasto nos últimos anos tem sido desperdiçada, contra a réplica dos trabalhistas, que afirmam que, independente do que Cameron disser, não se pode confiar os serviços públicos aos conservadores. Essa me parece ser uma disputa bem acirrada.