Título: Pai rico, filho também
Autor: Luquet, Mara
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2006, EU & Investimentos, p. D1

Herdeiros sempre foram vistos com reservas para serem os responsáveis pela gestão de empresas e fortunas familiares. Eles costumam carregar má fama para os negócios e, não por acaso, proliferou-se no mundo todo um mercado especializado em ajudar esses afortunados a não dilapidar o patrimônio construído por seus pais ou avós.

Mas Stuart E. Lucas, principal executivo da Wealth Strategist Network, empresa de consultoria voltada para famílias ricas, quer mostrar que os herdeiros não só podem como devem ser responsáveis pela gestão da própria fortuna. Ele, que faz parte de uma rica e tradicional família americana, aconselha: "Contrate consultores, mas acompanhe de perto o trabalho deles e, principalmente, verifique regularmente o resultado desse trabalho". Essa prática, diz Lucas, é que vai dar ao herdeiro a noção se tem ou não um consultor eficiente.

Lucas faz parte da quarta geração de herdeiros da Carnation, uma companhia que fabricava alimentos como creme de leite e sopa e que foi comprada pela Nestlé em 1985. Hoje, ele presta consultoria a um pequeno e seleto número de ricas famílias. No livro "Wealth: Grow It, Protect It, Spend It and Share It", publicado pela Wharton School Publishing e ainda sem tradução para o português, Lucas sintetiza os princípios que regem sua filosofia de trabalho.

"O herdeiro é quem deve ser o responsável pela sua própria fortuna", diz o executivo. "Na verdade, a última palavra na gestão da fortuna deve ser do próprio herdeiro", acrescenta. Numa entrevista por telefone ao Valor, ele adverte: "O maior desafio para se passar às gerações seguintes é encorajar seus participantes a desenvolver seu lado empreendedor", diz Lucas. "O erro mais comum entre famílias com grandes fortunas é não estimular que seus herdeiros desenvolvam seus próprios negócios."

Nesses 25 anos em que vem administrando seu próprio dinheiro, a fortuna de sua família e também de clientes igualmente ricos, Lucas desenvolveu um conjunto útil de princípios para a gestão de riqueza a longo prazo. São princípios que, ele diz, se aplicam com resultados igualmente satisfatórios seja para a gestão de um "pé-de-meia" de US$ 1 milhão, seja de um patrimônio de R$ 1 bilhão. "Toda decisão que tomo, quer se trate de escolher um gerente de investimentos, de optar por uma estratégia fiscal, ou trabalhar com minha família na determinação dos objetivos para o próximo ano, sempre levo em conta esses princípios", diz Lucas.

O primeiro mandamento de Lucas é assumir a responsabilidade diária pela gestão do patrimônio. "A estrutura de gestão de riqueza exige que você, como estrategista que é, articule um conjunto de valores que formará a base do futuro planejamento", diz o executivo. Alguns gestores de "family offices" acreditam que traçar essa linha é importante para dar as diretrizes. No entanto, advertem que a execução deve estar nas mãos de um profissional, pois são muitas arestas a serem aparadas dentro da própria família e deixar esse serviço para um dos familiares pode criar constrangimentos desnecessários, como despertar desconfiança entre seus pares, dizem os especialistas.

Segundo Lucas, depois que os integrantes da família tiverem definido seus valores, surgirá um gabarito básico que lhe permitirá desenvolver uma estratégia de longo prazo para sua riqueza. A perspectiva de tempo adequada à estratégia pode equivaler a toda uma vida, toda uma geração ou várias gerações. A tomada de algumas decisões bem no início do processo poderá perdurar por décadas, instalando em sua família uma cultura sadia de gestão.

Lucas adverte, no entanto, que simplesmente esperar que seus consultores o orientem não é o bastante. É provável que você não receba diretrizes suficientes ou então a orientação recebida tenderá a se fragmentar em vez de contribuir para a solidificação dos objetivos da família. "No fim, poderá haver alguns produtos de boa qualidade, mas sem uma estratégia integrada ou destituída dos recursos necessários à sua implementação ao longo do tempo", diz ele.

Unir os interesses da família é fundamental na avaliação de Lucas. Os gestores profissionais concordam, mas advertem: é extremamente difícil. Este é o típico trabalho para um profissional, porque, se um dos integrantes da família tomar esta tarefa para si, terá de fazer um esforço bem maior e não necessariamente será bem-sucedido.

Mas Lucas diz em seu livro que, para unir a família em torno desses objetivos, o estrategista de riqueza precisa formular um raciocínio convincente para aquelas pessoas que desejam trabalhar juntas. "Ajuda muito se esse indivíduo for um facilitador capaz de mediar conflitos, produzir consenso e certificar-se de que haja uma revisão regular dos objetivos e resultados da gestão de riqueza", diz ele.

É claro que a união da família em torno de objetivos comuns implica também a reestruturação das relações profissionais com consultores, de modo que todos se beneficiem ou sejam penalizados pelas decisões financeiras tomadas em conjunto, observa o consultor e rico Lucas.

Os gestores de riqueza e suas empresas são, segundo ele, perspicazes, ousados e ambiciosos, e têm parâmetros próprios de sucesso como, por exemplo, atendimento e geração de altas taxas de retorno para o cliente. Durante a seleção de consultores e de gestores financeiros, deve-se dar destaque especial à "afinidade dos seus interesses" com aqueles dos próprios candidatos. "Quanto mais os interesses do consultor estiverem em harmonia com os seus, tanto maior a possibilidade de que essa relação sejam bem-sucedida a longo prazo", diz ele.

É fundamental dispor de sistemas de prestação de contas e de desempenho, avalia Lucas. Isto permitirá reforçar as metas específicas do negócio e as expectativas de desempenho. Será igualmente útil na implantação de estratégias de criação de riqueza, proporcionando uma referência confiável por meio da qual será possível julgar o desempenho do estrategista e de sua equipe de gestão (contadores, advogados e gerentes de investimentos entre outros).

Ocorre que, para que este mecanismo funcione, é importante que os ativos sejam marcados a mercado. Ou seja, que se saiba exatamente o valor do patrimônio a cada momento para que tanto gestores como clientes consigam ter a dimensão do sucesso desse empreendimento.

Mas implementar esta prática na rotina dos afortunados não é uma tarefa simples. Em boa parte dos casos eles não querem fazer essa marcação, pois dizem que não vão vender o patrimônio e outras desculpas para evitar a marcação a mercado.

Marcação a mercado, na prática, é exatamente isso: checar periodicamente quanto seus ativos estão valendo no mercado como se você fosse se desfazer deles naquele dia, mesmo que sua intenção seja mantê-lo em carteira por toda a vida. Seu maior benefício é mostrar exatamente qual o real valor do seu patrimônio e não quanto você acha que vale.